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CIBORGUE
O inglês Kevin Warwick segura um dos chips que implantou em si mesmo

Alguns superpoderes provavelmente ficarão para sempre reservados às histórias em quadrinhos. Outros, como a possibilidade de enxergar sem utilizar a visão, já estão mais próximos da realidade do que podemos imaginar. Professor de cibernética da Universidade de Reading, o inglês Kevin Warwick é um dos pioneiros no uso de implantes eletrônicos. Suas pesquisas oferecem resultados impressionantes: em uma delas, o uso de sensores ultrassônicos na ponta dos dedos permite que o sujeito da experiência seja capaz de “sentir” a distância dos objetos – como em um sonar.

Suas cobaias foram seus próprios alunos, partes intrínsecas da experiência em diversos sentidos. Os jovens cientistas não teriam motivos para duvidar do professor, afinal, Warwick é um dos pioneiros em auto-experimentação cibernética. Uma de suas mais conhecidas expe­riências, realizada em 2002, envol­veu o implante de 100 eletrodos, conectados ao seu sistema nervoso e ligados a um computador. “Pre­cisamos lembrar que o cérebro funciona atra­vés de sinais eletroquímicos. Temos nos concentrado na parte química para a medicina, mas, no futuro, os aspectos elétricos do cérebro serão usados em diversos tipos de tratamento”, afirmou o pesquisador à ISTOÉ.

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LOUCURA
Em “O Médico e o Monstro” (1941), Spencer Tracy vive o estereótipo

Com a ferramenta instalada, Warwick foi capaz de controlar uma mão robótica que nem sequer precisava estar ligada ao seu corpo. “Ela era conectada à rede junto com meu sistema nervoso; então a mão poderia estar até mesmo em outro continente”, afirma. As possibilidades são infinitas: cirurgias remotas, novas habilidades em pacientes com deficiência e até o tratamento de doenças neurodegenerativas, como as de Alzheimer e e Parkinson.

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OBSESSÃO
Em “A Mosca” (1986), Jeff Goldblum transforma ciência em terror

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No entanto, o uso do próprio corpo como plataforma para experiências científicas suscita questões éticas que vão além dos dilemas mais tradicionais. A decisão de enfrentar os riscos do desconhecido prova a confiança do cientista em sua teoria ou reflete o desespero por reconhecimento a qualquer preço? Segundo Warwick, “a autoexperimentação é, sem dúvida, sobre acreditar em si mesmo”. E explica: “Como um autoexperimentador, você tem a consciência de que o mundinho da ciência é supercrítico quanto ao seu trabalho, há muito ciúme por parte dos outros cientistas. Por isso é muito mais difícil.”

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NOBEL
Barry Marshall ganhou o prêmio depois de servir de cobaia em sua busca pela cura da gastrite

Historicamente, o processo nem sempre foi assim e algumas das maiores descobertas da medicina contaram com importantes contribuições de gente disposta a pagar o preço da exploração científica na própria pele. A febre amarela, por exemplo, só pôde ser combatida depois que quatro médicos do Exército americano deram continuidade à pesquisa de Stubbins Ffirth (leia quadro abaixo). Liderada por Walter Reed, a equipe americana foi a Cuba na tentativa de provar que a transmissão da doença ocorria por meio da picada de mosquitos. Conseguiu, mas um de seus médicos, Jesse Lazear, pagou o preço da experiência com a própria vida.

O cientista australiano Barry Marshall também precisou apelar a medidas drásticas para ter sua pesquisa reconhecida. Defendendo que a gastrite e a úlcera não eram provocadas por estresse, mas sim por uma bactéria comum (H. pylori), Marshall decidiu beber um copo cheio da solução bacteriológica, desenvolvendo em poucos dias um severo caso de colite. Sua pesquisa foi finalmente aceita e o cien­tista acabou premiado com o Nobel de Medicina em 2005. “Eu achava a resposta às minhas apresentações muito ilógicas e bastante irritantes. Um dia, após apresentar meus resultados mostrando a cura da gastrite com Bismuto, o patologista-sênior do hospital afirmou que as mudanças pareciam muito sutis. Na verdade, elas eram bastante dramáticas: era a primeira vez que alguém no mundo conseguia curar a gastrite”, diz Marshall.

“Preciso obter aprovação de um comitê de ética para todas as minhas pesquisas”, explica Warwick. “E acho isso apropriado. O maior problema é quando o politicamente correto se coloca à frente dos valores éticos e científicos, e o comitê não compreende um assunto por pressão política. Claro que conclusões puramente políticas são completamente sem sentido no meio científico e, por isso, apesar de soarem bem para o mundo lá fora, nenhum cientista realmente dá ouvidos a essas coisas”, afirma o britânico. E é essa combinação de coragem, autoconfiança e um pouco de desprezo por limites que leva pesquisadores a deixar de lado a própria integridade física e reputação na busca por respostas.

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