Mesmo diante do clamor popular pela moralização do Congresso, o Supremo decidiu adiar para 2012 a entrada em vi gor da Lei da Ficha Limpa. Do ponto de vista técnico e legal, não havia mesmo como ferir o princípio da anualidade, atropelando a Constituição. A regra, aprovada a menos de um ano da eleição de 2010, não poderia valer ali sem que isso afrontasse o Estado democrático. Qualquer alternativa contrária soaria a casuísmo com desdobramentos perigosos de toda natureza. A simples ideia de punir os fi chas-sujas de maneira retroativa macularia, por exemplo, o direito elementar de preservação da cidadania contra arbitrariedades – que acontecem sempre quando se ignora a Carta Magna. Dada a ressalva, existem vários aspectos éticos a serem observados à luz do veredito do STF. O primeiro e maior deles diz respeito ao tratamento diferenciado que existe na letra da lei. Hoje, o cidadão brasileiro que almeje participar de um concurso público – seja para um posto na Receita Federal, seja para trabalhar de gari nas ruas – precisa apresentar uma certidão negativa da polícia, comprovando que possui fi cha criminal limpa. Qualquer registro de ocorrência o desabilita ao concurso. Na política, a situação é bem diferente. O candidato que disputa cargos nas urnas, mesmo sob o peso de algum processo, usa o argumento da presunção de inocência, aquele que prega que ninguém é culpado até que se prove o contrário, e torna-se elegível para representar a sociedade no Congresso Nacional ou nas casas regionais do Legislativo. Mais grave: da  maneira como vigora a lei hoje, ele pode até ter condenação e não perderá o direito a se candidatar. O conceito da dúvida pró-réu é uma enorme fenda legal que pode passar a impressão de que, para certos casos, o sistema é paternalista com o crime. E muitos fazem uso dessa brecha. No âmbito partidário é uma constante e a afronta moral é ainda mais visível. Quando aconteceram as convenções de cada sigla e os partidos escolheram fichas-sujas para representá-los, já se sabia do risco que a lei em discussão apresentava. Mesmo assim, seguiram adiante. De forma marota apadrinharam elementos que agora podem até estar comemorando uma vitória. Mas será por pouco tempo. Afinal, a justiça tarda, mas não falha.


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