Há tempos atrás uma deputada brasileira criou projeto de lei que propunha que o cidadão que presenciasse um pai batendo no próprio filho teria o direito de denunciá-lo. Este pai, por sua vez, poderia vir a ser condenado caso se comprovasse a “agressão”. Curioso, pensei. E perigoso também. Antes de tudo, é preciso diferenciar agressão, espancamento e outras barbaridades com o direito – legítimo, penso eu – de pais e mães aplicarem bons “corretivos” nos seus petizes, apesar de isto parecer cada vez mais obsoleto neste tempo de correções políticas e farta hipocrisia.

Há modalidades várias de corretivos, é bom lembrar. Vão desde a hoje folclórica palmada na bunda até a chinelada clássica. Meu pai, um homem amoroso mas firme, conta, com orgulho interiorano, ter batido nos seus filhos mais velhos com um “relho”, chicote de cavalos feito com couro trançado. Fala rindo. E diante dos risos dos filhos castigados, que se deliciam nas festas familiares com a (felizmente) longínqua lembrança. Não era um gesto violento, mas uma atitude de efeito “moralizador” – costuma ele dizer. Nenhum dos filhos parece ter ficado com alguma sequela psicológica, muito menos física. Eu, por ser a “rapa-de-tacho” da família, escapei da terrível sentença. Mas levei, aqui e ali, um tapa-no-pé-do-ouvido ou pescoção. De todos os “castigos” que recebi na infância, no entanto, o que sempre me pareceu mais cruel (e por isso quem sabe mais eficaz) foi o cascudo.

Para quem não se lembra ou não está ligando “o nome à pessoa”, aqui vai: “cascudo”, segundo o dicionário “Houaiss”, é uma “pancada na cabeça com o nó dos dedos dobrados”. Sei que a palavra “pancada” faz o gesto parecer mais violento do que de fato é, mas no mesmo dicionário há outros sinônimos mais brejeiros – cacholeta, cocorote, coque, castanha, etc.

Não quero aqui fazer apologia da violência, absolutamente não. Primeiro porque não sou adepto de nenhuma prática que use ou abuse da força. Mas também porque sei que é um suicídio falar nesse assunto publicamente nestes tempos de patrulha de comportamento, de catequese de boas maneiras sociais. Pobre do pai que confessar bater nos filhos hoje em dia. Será automaticamente condenado. Portanto, não parece tão absurdo que alguém imagine uma lei de tal natureza como essa de que falei acima. Há um livro, “O Reizinho Mandão”, verdadeiro clássico da literatura infantil, da escritora Ruth Rocha, que narra a história de um reizinho mimado e autoritário que dita regras estapafúrdias como “é proibido cortar a unha do dedão do pé direito em noite de lua cheia” ou “é proibido dormir de gorro na primeira quarta-feira do mês”. O cara só se ajeita quando ao final recebe o merecido castigo.

Ok, deixemos cada pai com seus próprios métodos corretores. Mas poderíamos pensar em manter a prática do cascudo para algumas personalidades públicas brasileiras com o perfil do personagem de Ruth – mandão, mimado, autoritário e cheio de si. Bastaria um, um bem aplicado cascudo, sem violência de linchador, mas com firmeza de pai, para dotar o cidadão de bíblica humildade e repentina lucidez, fazendo-o despertar de seu transe de onipotência e arrogância, de sua embriaguez oligárquica.

Tivesse eu autoridade para tal, sairia por aí distribuindo cascudos a um monte de gente – políticos pés-de-chinelo, jornalistas irreponsáveis, celebridades chulas, jogadores de futebol indolentes e artistas demagogos. Tudo com apenas um, um cascudinho bem aplicado no quengo do cristão. Nada mais.

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