Ministro da Ciência e Tecnologia fala sobre o sistema de alerta contra desastres naturais e diz que vai acelerar processo de concessão de patentes

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PROJETO ESPACIAL
De acordo com Mercadante, a Base de Alcântara será inaugurada no meio deste ano

Com a missão de priorizar os investimentos na inovação tecnológica, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, está disposto a enfrentar a burocracia do governo e a aversão de muitas empresas quanto ao investimento em pesquisa. Ele não poupa nem os órgãos públicos que emperram o desenvolvimento do País, mesmo que sejam de outras pastas, exemplo do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o INPI, subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, onde estão engavetados 175 mil pedidos de registros de patentes. “O INPI tem que ser mais ágil, tem que ser mais rápido, tem que ser mais barato”, afirma Mercadante. Nesta entrevista exclusiva à ISTOÉ, o ministro avisa que o governo vai dirigir os financiamentos públicos do BNDES e da FINEP para a inovação. “Nós estamos aumentando os recursos da FINEP esse ano em quase R$ 2 bilhões a mais em crédito exclusivamente para inovação”, diz. Para ele, a pressão do presidente Lula para que a Vale aumentasse o investimento em inovações e agregasse mais valor aos produtos exportados “deu resultados’. Entre os outros projetos da pasta, Mercadante quer trazer milhares de cientistas brasileiros que estão em outros países. Ainda neste mês, o governo vai anunciar metas para o setor produtivo.

ISTOÉ

ISTOÉ – Qual foi a orientação da presidente Dilma Rousseff quando chamou o sr. para o ministério?

Aloizio Mercadante

Mercadante – É a inovação. Hoje o País forma 50 mil mestres e doutores, mas há um déficit importante na área de engenharias. Na produção científica, o País hoje é o 13º país no ranking internacional. Onde está a maior deficiência do Brasil? Está na inovação. Temos uma demanda espontânea das empresas por inovação ainda muito baixa no Brasil. As empresas brasileiras investem da ordem de 0,51% do PIB em pesquisa, desenvolvimento e inovação. A aversão ao risco levou a uma atitude passiva diante das inovações, um modelo totalmente distinto da China, que tem uma atitude ativa diante da substituição de importações. Toda empresa estrangeira que entra na China, eles exigem uma parceria, uma joint venture com uma empresa nacional e exigem transferência de tecnologia.

ISTOÉ

ISTOÉ – Esse modelo da China poderá ser adotado no Brasil?

Aloizio Mercadante

Mercadante – O Brasil vai ter que discutir uma nova atitude diante desse desafio da inovação. Não só buscar parceiros nacionais para investimentos estrangeiros, mas também compromisso na área de inovação de pesquisa e desenvolvimento. Há empresas, para as quais o Brasil hoje é um mercado fundamental, que não fazem nada em termos de pesquisa e desenvolvimento no País. Precisamos negociar com essas empresas investimentos nessas áreas. E nos novos investimentos, buscar parcerias e mecanismos de transferência efetiva de tecnologia. Queremos discutir isso com as empresas.

ISTOÉ

ISTOÉ – O governo vai condicionar os financiamentos públicos à inovação?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Esse é ponto mais importante. Nós só tínhamos dois mecanismos para a inovação no Brasil. A Lei da Informática, que na realidade é para equalizar a Zona Franca de Manaus com o resto do país, mais do que propriamente só uma lei de inovação. E tínhamos um financiamento TJLP mais 5%. Nós temos a MP 495, que é o poder de compra do Estado, aprovada no final do ano passado, quer dizer, todo produto pode ter até 25% do preço acima do preço do produto importado, para compra governamental. Desde que gere emprego no Brasil e inovação, o Estado pode comprar. Esse vai ser um instrumento muito importante. Temos vários novos mecanismos fiscais, mas ainda insuficientes para realmente deslanchar o investimento no Brasil.

ISTOÉ

ISTOÉ – O sr. está pensando em criar mais mecanismos fiscais?

Aloizio Mercadante

Mercadante – No Japão, 2,7% do PIB é o investimento das empresas em inovação. No Brasil, é 0,51%, e ainda tem a Petrobrás. Se você tirar a Petrobrás, esse percentual cairia para 0,3% ou 0,2%. As empresas expostas à competitividade global sabem que ou inovam ou inovam, não tem outro caminho. Nós estamos aumentando os recursos da FINEP esse ano em quase R$ 2 bilhões a mais em crédito exclusivamente para inovação. É um crescimento de 50% no total de recursos da FINEP. Apesar do corte orçamentário que o governo está fazendo em todas as áreas, a presidenta Dilma, para inovação, aumentou os recursos do BNDES e da FINEP.

ISTOÉ

ISTOÉ – A Briga do Lula com a Vale, era  para parar de exportar só ferro e exportar produtos com valor agregado?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Deu resultados. A Vale montou três empresas importantes na área de inovação. Uma empresa, a Vale Soluções Energéticas, são R$ 500 milhões no pólo industrial de São José dos Campos, e eles já estão fazendo vários produtos, motores, equipamentos, reatores, um programa totalmente novo de investimentos da Vale.

ISTOÉ

ISTOÉ – Mas tem como o governo ir lá fora e chamar todo mundo para fazer parceria?

Aloizio Mercadante

Mercadante – O governo pode, usando o BNDES, a FINEP, as fontes de crédito que temos, dirigir o crédito cada vez mais para a inovação. Incentivo fiscal e crédito. Com esses dois instrumentos, você consegue mudar essa cultura empresarial.

ISTOÉ

ISTOÉ – Além de não registrar patentes, o Brasil não usa o conhecimento da universidade na empresa.

Aloizio Mercadante

Mercadante – Nós precisamos mudar a atitude, nós temos que olhar mais patente. O INPI tem que ser mais ágil, tem que ser mais rápido, tem que ser mais barato. O ministro Fernando Pimentel está muito atento a isso. Nós temos que aumentar. Hoje nós temos 175 mil pedidos de patentes no INPI. É muito lento o processo de avaliação, e muito caro para você reconhecer uma patente, para registrar uma patente e depois para pagar a patente. Com isso, estamos abrindo espaço para que outros países patenteiem produtos que são nossos. E nós temos que ter a precedência. Então, nós precisamos mudar essa atitude.

ISTOÉ

ISTOÉ – Do jeito que o INPI está fazendo, ele passa a ser um entrave ao desenvolvimento do Brasil?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Ele precisa aumentar seu pessoal, precisa agilizar seus procedimentos, esse debate está sendo feito também nos Estados Unidos, na Europa, não somos só nós que estamos preocupados com isso. Mas é muito importante que haja uma agilização do ponto de vista do reconhecimento das patentes. Nós temos que investir nisso, porque o barato sai caro nessa situação. A falta de investimento em pessoal, em processos, em modernização da estrutura do INPI acaba prejudicando a qualidade, a velocidade do reconhecimento das nossas patentes.

ISTOÉ

ISTOÉ – O governo tem algum projeto para disseminar ciência e tecnologia nas escolas brasileiras?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Isso é fundamental. Primeiro, agradeço à ISTOÉ por essa iniciativa. A ciência, a tecnologia e a inovação precisam ganhar mais espaço nos meios de comunicação. Precisamos mostrar o que a universidade brasileira está fazendo, o que os pesquisadores estão fazendo. Estamos com experiências interessantes. O Nicolelis, que é um neurocientista, vai presidir uma comissão que estamos formando, que vai ser a Comissão Ciência do Futuro, só para pensar a ciência nas próximas décadas. Eu tenho um projeto, que já foi aprovado no Senado por unanimidade, que pega todos os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação, R$ 1 bilhão por ano, e coloca para fazer inclusão digital e de banda larga. Esse dinheiro está parado. Nós temos 69 milhões de alunos em escolas públicas. Se nós dermos um endereço eletrônico para colocarmos cada menino desses com um lap top, um tablet, na internet, e ele aprender a pesquisar e ter os instrumentos pedagógicos.

ISTOÉ

ISTOÉ – Pesquisadores brasileiros formados no exterior deram um calote de mais de R$ 100 milhões no CNPQ e na Capes. O que o governo pretende fazer?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Queremos atraí-los de volta. Estamos estudando profundamente com o MEC, Capes, CNPQ, um programa para atrair cientistas brasileiros, como a China está fazendo. Na China chama tartaruga marinha, porque tartaruga depois de anos volta à mesma praia. Só brasileiros dando aula em universidades dos Estados Unidos são 3 mil. Estamos fazendo um projeto de trazer grandes pesquisadores de fora para o Brasil. Queremos organizar a rede de brasileiros no exterior para participar de pesquisas. Mesmo os que estão em centros de excelência, que vão permanecer lá, ajudar o Brasil e participar de pesquisas no Brasil. Pela internet, você pode criar um laboratório virtual e acompanhar a experiência da Embrapa.

ISTOÉ

ISTOÉ – Com esse corte de 16% no orçamento do ministério, ficam de pé projetos caros como o anel de luz síncrotron, e o reator nuclear?

Aloizio Mercadante

Mercadante – O Brasil quer fazer um reator multipropósito com a Argentina. Estamos na fase do projeto de detalhamento básico. Tem recursos para o orçamento esse ano. Vamos trabalhar juntos para reduzir o custo. Esse reator nuclear reduz parte da demanda e da dependência. Mais de três mil empresas utilizam luz síncrotron. Estamos querendo fazer agora um de terceira geração. O custo é alto, da ordem de R$ 400 milhões. Só é possível fazer em parceria com as empresas. Estamos conversando com o BNDES, com algumas grandes empresas, para ver se a gente faz um pool, para viabilizar esse investimento.

ISTOÉ

ISTOÉ – Mesmo sem ter lançado nenhum foguete, a Cyclone Space já consumiu mais de R$ 100 milhões. Há críticas que ela virou uma empresa burocrática.

Aloizio Mercadante

Mercadante – Temos parceria com a NASA, que hoje é uma parceira que nos interessa antecipar e ganhar prioridade. É um programa que a NASA tem de lançar um conjunto de oito satélites de previsão meterológica. Faríamos com a NASA um satélite equatorial, de previsão meteorológica, que é uma grande prioridade, para prever chuvas e desastres naturais. Este é um programa que queremos dar prioridade no Ministério. A NASA está com cortes no orçamento e nós estamos buscando negociar para eles anteciparem. O segundo projeto que temos, com a China, é um projeto que queremos aprofundar a parceria com a China. Vamos lançar agora mais um satélite Cybers. Vamos lançar agora em 2012 o satélite Cybers III, com a China. A Ucrânia é um país que tem um bom estoque de foguetes, que vêm da guerra fria. Estamos fazendo um estudo bem detalhado de todo o nosso programa de satélite e de investimentos na área espacial para garantir que haja transferência de tecnologia, que é o que nos interessa. Porque nós temos dois projetos de veículos lançadores de satélites do Brasil, o VLS, vamos lançar agora um novo foguete, no final de 2012. A Base de Alcântara já está pronta para ser inaugurada, agora com muito mais medidas de segurança.

ISTOÉ

ISTOÉ – Quando é que será inaugurada a Base de Alcântara?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Meados do ano. Entre junho e julho. Vamos inaugurar a Base de Alcântara e pretendemos lançar o VLS até o final de 2012. E estamos fazendo outro projeto, o VLM, de combustível líquido. Um projeto com mais capacidade de carga, economicamente mais moderno, está sendo desenvolvido com uma rede de empresas privadas. Queremos continuar investindo no veículo de satélites. A área de satélites é um mercado de US$ 206 bilhões por ano.

ISTOÉ

ISTOÉ – O sistema contra desastres e atrocidades que vem sendo elaborado vai evitar mais mortes no Rio, no próximo verão?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Estamos trabalhando para que no próximo verão tenhamos uma capacidade de alarme. O que constitui o alarme? A imagem de satélites, a leitura dos radares metereológicos, nós temos uma rede muito forte do INPE, o Inmet, da Agricultura, também tem uma boa rede de previsão climática. E nós temos os radares da Aeronáutica, que até agora cuidavam só do espaço aéreo. Até o final do ano nós queremos integrar toda a rede de radares, de pluviômetros, de estações metereológicas, e montar um sistema de alerta. Vamos ter quatro profissionais 24 horas por dia, todos os dias do ano. Tudo caminha para que seja em Cachoeira Paulista, onde é a sede do CPTEC/INPE, porque lá você já tem back up, fibra óptica, todos os equipamentos, já tem muito desses especialistas.

ISTOÉ

ISTOÉ – A missão é evitar mortes, no próximo verão?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Eu não sei se a gente vai conseguir evitar totalmente mortes. Mas vamos fazer de tudo para evitar, todo o esforço vai ser par evitar mortes. Os prejuízos materiais vão continuar acontecendo, porque você precisa remover população de área de risco, precisa remover a população de áreas sujeitas à inundação. O Ministério vai montar um sistema de leitura dos dados metereológicos, nós temos capacidade científica para isso, vamos prever quanto vai chover, vamos acompanhar o quanto está chovendo, e vamos dizer ‘olha, essa chuva começa a colocar em risco’. Agora, tem que ter levantamento de riscos, e nós não temos. E vai demorar para ter, algum tempo, porque não tem profissionais no Brasil especializados para dar conta de fazer isso com muita rapidez. Tudo que tiver ao nosso alcance para evitar mortes, nós vamos fazer, essa é a grande prioridade do governo.

ISTOÉ

ISTOÉ – A presidente Dilma pediu aos ministérios políticas para a indústria sustentável, de desenvolvimento produtivo. Que projeto é esse?

Aloizio Mercadante

Mercadante – É o PDP, a Política de Desenvolvimento Produtivo. Estamos trabalhando junto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Estamos integrando o Programa de Ação de Ciência e Tecnologia e Inovação com o Programa de Desenvolvimento Produtivo. Estamos fazendo macrometas. Metas de nacionalização de conteúdo, de investimento em pesquisa e desenvolvimento das empresas, meta de participação das micro e pequenas empresas nas exportações, metas para melhorar a pauta de exportações. Uma das metas prioritárias do PDT é reduzir nosso déficit comercial em áreas de alta e média tecnologia. Fármacos, equipamentos médicos, tecnologia da informação, máquinas e equipamentos, química. A idéia é aumentarmos a nossa capacidade de exportação e competição nesses setores. Exemplo, ampliar os investimentos sobre o PIB para 22,5% para 2104. Hoje estamos em 18,9%. São metas para o governo cobrar de si mesmo e para acompanhar o setor privado. Devemos lançar ainda em março as grandes macrometas. Estamos fazendo discussão com todos os setores da indústria, área acadêmica, de pesquisa, órgãos de planejamento do governo. Vamos apresentar um plano bem detalhado, consistente e ambicioso.

ISTOÉ

ISTOÉ – Como incentivar o desenvolvimento de biocombustíveis, como etanol e plástico de bagaço de cana?

Aloizio Mercadante

Mercadante – Estamos fazendo uma pesquisa bem interessante na área de gaseificação. Nós usamos a palha e o bagaço da cana para transformar em energia. É três vezes mais produtivo do que queimar o bagaço da cana para gerar energia. Estamos fazendo no Instituto de Pesquisa Tecnológica, o financiamento é praticamente todo da FINEP, BNDES e governo federal, junto com a Petrobrás, a Vale, a Brasken, a Cosan. É um grande programa, para partirmos para a segunda geração do etanol. O plástico verde já é a segunda geração, o Brasil é líder nisso. A Brasken está produzindo 200 mil toneladas por ano de plástico verde, mas vai aumentar muito a produção porque há muita demanda no mundo. Queremos avançar na linha da química verde e avançar na geração de energia a partir do bagaço e da palha.