É difícil ver um rali e não associá-lo a um grupo de loucos fazendo manobras arriscadas. Pilotos de carros, caminhões, motos e quadriciclos chegam a atingir, na terra, velocidades próximas de 200 km/h. Mas essas disputas estão longe de se limitar a essas ações radicais. Por trás da poeira, há um mundo que abriga histórias de bastidores, riscos fora das estradas, ações sociais e uma caravana cada vez mais profissional. A bordo do caminhão Andino, da equipe Volkswagen, de Goiânia a Palmas (TO), e de uma picape Mitsubishi L200 da equipe Pirelli, guiado de Palmas a Araguaína pelo competente piloto Nelson de Almeida Filho, ISTOÉ constatou essa realidade ao percorrer cinco das nove etapas do 11º Rally Internacional dos Sertões, maior prova do gênero no País, que terá os resultados divulgados no sábado 2.

A largada, em Goiânia, envolveu 86 carros, 88 motos, sete caminhões
e sete quadriciclos, além de 33 picapes na categoria Expedition, que
não conta pontos. É um recorde, mas há outros números relevantes.
O circo dos Sertões abriga 1,5 mil pessoas. A caravana atinge uma cidade no final da tarde e parte na manhã seguinte. Nesse período,
cada visitante gasta em média R$ 175 com comida, hospedagem, compras e diversão. Feitas as contas, o rali derrama em cada cidade
pelo menos R$ 262,5 mil, sem contar os gastos com combustível. Além desse movimento, impressiona também a estrutura levada para esses lugares distantes. A Pirelli, por exemplo, monta uma oficina para atender sua própria equipe e outra para as dezenas de times que usam seus pneus, entre eles o Mitsubishi Racing, de Guilherme Spinelli, um dos
fortes candidatos ao título.

A necessidade de fazer instalações improvisadas e rápidas gera situações perigosas. Na noite de segunda-feira 28, Assunção Alves, motorista do motor home (carro-oficina) da equipe Atico, morreu de maneira inusitada em Araguaína (TO). Ele colocou uma escada de ferro no motor home para arrumar o ar-condicionado. O aparelho, em curto, deixava passar alta tensão para a água que escorria na cabine. Ao encostar a escada embaixo do aparelho, recebeu a descarga, bateu violentamente com a cabeça no chão e morreu na hora. Há também riscos criados por situações embaraçosas. Ao saírem de Padre Bernardo para Porangatu atrás dos competidores, dois mecânicos da organização teriam sido sequestrados por uma dona de garimpo e seus capatazes. A novíssima picape da chefe, sem seguro, teria encalhado numa ponte e estava prestes a cair no riacho. “A mulher acusava o rali de ter destruído a ponte e, armada, nos obrigou a resgatar o carro. Como não conseguimos, nos levaram e nos trancaram num quarto”, conta um dos mecânicos, Ronaldo Oliveira. “Fugimos às 7h da manhã, quando o vigia dormiu.”

O circuito de cada etapa é fechado ao trânsito antes da largada. Há um cuidado extremo com os animais e, sobretudo, com as pessoas que vivem ao longo do percurso e se divertem saudando os carros que passam. Nas planilhas de navegação, escolas e comunidades são marcadas com quatro “curecas”, índice de perigo medido em caveiras. Quatro é o nível mais alto. Nesses locais, os pilotos são obrigados a andar, no máximo, a 40km/h. Na segunda etapa, em Padre Bernardo, a organização atrasou a largada porque descobriu, em cima da hora, uma festa numa comunidade rural às margens da pista. Outra bela iniciativa é a ação social desenvolvida no rali. Em cada cidade, a caravana monta uma biblioteca, distribui cestas básicas e faz atendimentos médicos e odontológicos. Em Colinas, das 200 pessoas que fizeram testes para diabete, 23 tiveram a doença constatada e foram atendidas. No total, distribuíram 100 toneladas de alimentos, dez toneladas de medicamentos e 21 mil livros. Numa das etapas iniciais, o helicóptero da organização levou para o hospital uma criança que passava mal num carro com defeito. Como se vê, a emoção, para essa turma, precisa vir acompanhada de saúde.


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