Só falta definir dia e hora, mas a grande atração das férias de julho no Brasil, ano que vem, já tem local de embarque definido: a Estação Ferroviária de Campo Grande. Recomeça ali, depois de oito anos, a viagem do Trem do Pantanal, que corta, a preguiçosos 50 quilômetros horários, um dos cenários mais belos do mundo. Santuário ecológico da humanidade, declarado Reserva da Biosfera pela Unesco em 2000, o Pantanal vai ficar mais próximo, mais barato e mais atraente a partir da reativação do trecho Campo Grande–Corumbá da antiga ferrovia Noroeste, abatida pela privatização das linhas férreas no início do governo FHC. O consórcio Brasil Ferrovia negocia com a União e com o governo do Mato Grosso do Sul a reestatização do trecho, saldando a dívida do arrendamento que não foi paga aos cofres públicos, devido ao baixo movimento de cargas da ferrovia. O Ministério dos Transportes investirá R$ 250 milhões para botar o trem nos trilhos. “Vamos ter de volta a mais bela viagem de trem do mundo”, sonha, de olhos abertos, o historiador Carlos Porto, presidente da Fundação de Turismo do MS.

O antigo Trem Verde pantaneiro vai reaparecer com design e marketing mais agressivo. Porto antecipa os detalhes do comboio de 21 vagões que percorrerá as 15 estações e os 459 quilômetros de linha, numa viagem de dez horas, relaxada e bela. Além dos vagões com poltronas reclináveis e cabines com toalete exclusiva, o trem terá ar-condicionado, acesso à internet e vagões especiais adaptados ao meio-ambiente. O carro-restaurante, além de um “viola-bar” com violeiros a postos para mostrar a música típica da região, vai servir pratos exóticos, como carne de jacaré, capivara, javonteiro (mistura de javali com porco monteiro) e vitelo pantaneiro, especialidade local feita com a carne macia de bezerros desmamados aos dez meses de idade.

Visão – Com a fome saciada, o turista poderá depurar o espírito com a visão única do Pantanal no carro-varanda, um vagão aberto, sem janelas, onde o cenário é a maior área alagável do mundo em que cabem somados os territórios da Bélgica, Holanda, Suíça e Portugal com a biodiversidade mais rica do planeta. São 656 espécies de aves (mais do que toda a América do Norte), 263 de peixes (a Europa toda tem 200), 122 de mamíferos, 93 de répteis. Só de borboletas, existem 1.132 variedades diferentes vivendo às margens do rio Paraguai, uma bacia irrigada por 150 rios que enche de novembro a abril e depois seca lentamente, enquanto a água escorre devagar numa planície com uma inclinação leve de dois centímetros por quilômetro. Neste meio tempo, as lagoas temporárias criam e recriam a vida selvagem em perfeito equilíbrio com um rebanho bovino de dez milhões de cabeças. Um gavião vive dos carrapatos que cata, amigável, no dorso do boi solto nos banhados pantaneiros, ao lado de jacarés, sucuris e cervos. A reportagem de ISTOÉ fez o que será o percurso do trem em um aviãozinho Cesna 206, em apenas três dias, mas uma canoa, ao sabor da correnteza, levaria seis meses para cruzar o Pantanal, de norte a sul.

O plano do governo do Mato Grosso é que, em cada estação do trem, haja mostras do artesanato e da cultura local. Distantes 20 ou 30 quilômetros da linha férrea, cerca de 200 hotéis-pousada se preparam para os novos tempos. Em 2000, o Pantanal recebeu 180 mil turistas.
E devem ser 350 mil em 2004, na estimativa da Fundação de Turismo.
“O trem é um charme e vai ter apelo mundial”, imagina Angela Wirth,
dona da Boca da Onça, um paraíso ao pé da serra da Bodoquena, onde jorram 11 cachoeiras e a maior queda d´água do Pantanal, que despenca de 156 metros de altura e dá nome ao local. “O movimento de hóspedes vai aumentar em 50%”, calcula João Antônio Venturini, dono do parque-hotel Passo do Lontra, às margens do rio Miranda, no norte do Pantanal. “Um trem por dia, com 60 passageiros por vagão, já andava lotado.
E nem havia a estrutura de turismo que existe hoje”, lembra ele, nostálgico do apito da locomotiva que regia a revoada de garças
e tuiuiús em torno da linha férrea.

Acesso – Mais do que beleza e comodidade para o turismo ecológico
do Pantanal, o trem vai democratizar a visitação a uma área onde o acesso é sempre difícil e caro. O preço da viagem, em poltrona ou
cabine, vai variar de R$ 37 a R$ 96, incluindo uma ou duas refeições
no trajeto. “O Pantanal é uma atração única no mundo”, define Keiji Kanashiro, secretário-executivo do Ministério dos Transportes. Já
existem 30 vagões em alumínio reservados para a reforma que vai
adaptar o comboio aos novos tempos. Depois, é só aguardar o apito
do trem para embarcar. E… boa viagem!