Excesso de conversas ao telefone, horas consumidas à procura de anotações, interrupções provocadas por mensagens eletrônicas ou pela incapacidade de dizer não a um colega. Não é de hoje que esses desperdiçadores de tempo, vilões da vida empresarial, são combatidos com onerosos programas de administração para aumentar a produtividade. Estressados pelo acúmulo de atividades, executivos e gerentes têm pouco tempo para a família e para o lazer e se tornam reféns do relógio. Se o desperdício de tempo compromete o rendimento e a qualidade de vida do adulto, acontece o mesmo com os adolescentes. “Agora vai ser diferente porque vou me organizar” é uma frase comum na volta às aulas. Difícil é manter a vigilância sobre os horários e equilibrar o tempo entre escola, deveres de casa, cursos extracurriculares, esportes e, claro, a diversão.

Para superar o desafio, é fundamental a parceria de pais, educadores e profissionais da psicologia. “Noventa por cento das técnicas de gestão de tempo das empresas podem ser adaptadas para a vida estudantil”, afirma Luiz Augusto Costacurta Junqueira, 58 anos, vice-presidente do Instituto MVC, de São Paulo, grande centro de treinamento de executivos. Embora não tenham de se preocupar com a conta bancária ou em manter a geladeira cheia, a situação dos jovens se complica a cada dia com a corrida por cursos extracurriculares.

Quem vê a adolescente Elis da novela Agora é que são elas, da Rede Globo, não imagina a luta que a atriz Stephany Britto trava contra o tempo. Ela cursa a segunda série do ensino médio, faz inglês, jazz e balé. Tem de ler os textos da novela, gravar e, no fim de semana, se apresentar na peça É o bicho, a ordem natural das coisas, que deixa São Paulo em agosto para percorrer o País. E ainda alimenta um vício: o ICQ, programa muito popular entre os adolescentes que permite a conversa em tempo real com os amigos. “Preciso entrar todos os dias, nem que seja para ver quem está lá. À noite, disputo o computador com o meu irmão (o também ator Kayky Britto) e, às vezes, minha mãe precisa intervir”, conta. Ela reconhece os estragos dos desperdiçadores no seu tempo escasso. “Eu deveria fazer os deveres ao chegar em casa, mas enrolo. Aí aparece um programa legal e vira uma confusão em casa”, diz a jovem atriz.

Satisfação – Esse cenário norteou uma pesquisa da orientadora educacional Juçara dos Santos com 105 estudantes de oitava série do tradicional Colégio Santo Inácio, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Os estudantes, de classe média e alta, responderam a um questionário para medir o tempo comprometido, o rendimento escolar e a satisfação pessoal. Apenas oito alunos não apresentaram problemas na administração do tempo. A orientadora decidiu então criar um curso para professores interessados em ajudar os estudantes a aumentar suas horas livres. Juçara contabilizou nove grandes desperdiçadores de tempo, entre eles a desorganização, a dificuldade em definir prioridades e a falta de objetivos. A liderança do ranking recai na incapacidade de dizer não e no uso inadequado do telefone.

São esses os dois maiores inimigos da carioca Maria Clara Terra Escobar, 15 anos. Ela não hesita em parar o que estiver fazendo para socorrer um amigo que precisa conversar, ao vivo ou ao telefone. “É impossível dizer não”, declara a jovem. Bom, pelo menos um outro empecilho na gestão do tempo ela conseguiu debelar: a falta de estímulos. “Não aguentava mais a rotina da escola, onde estudo desde o primário”, explica. A situação começou a mudar há quatro meses, curiosamente quando ela deu início a mais uma atividade: um curso de cinema. “Achei o que quero fazer na vida e agora não vejo a hora de entrar na faculdade de cinema”, diz, animada. Na última prova de literatura, tirou dez. A mãe, Vera, vibra: “Ela mudou a maneira de encarar as obrigações escolares.” Os especialistas não consideram uma boa idéia cobrar do jovem decisões sobre o futuro. Dizem que isso, em vez de acelerar, pode confundir e levá-lo a interromper projetos
para experimentar outros. É melhor deixar o filho fazer o que gosta
e, para evitar muitos enganos, estimulá-lo a justificar suas escolhas.
Uma outra forma é fazê-lo assistir a uma aula de violão, por exemplo, antes de fazer a matrícula. Com objetivos claros, é mais fácil afastar obstáculos. Hoje, enquanto estuda cinema, Maria Clara já não fica
tanto tempo ao telefone.

Como não poderia deixar de ser, em tempos de realidade virtual, o telefone tem hoje um parceiro igualmente prejudicial quando o assunto é realizar tarefas: a internet. Aos 13 anos, Leandro Batagiotti é uma das vítimas. Ele cursa a oitava série do primeiro grau, em São Paulo, estuda inglês e treina pólo aquático de segunda a sexta. Quando chega em casa, em vez de descansar, liga o computador. E não sai da frente dele antes das 23h. A compulsão é pelo ICQ. “Às vezes planejo ficar uma hora. Quando vejo, já se passaram mais de duas e, para fazer o dever, durmo bem mais tarde”, conta. A família de Leandro é um exemplo clássico
da luta contra o tempo. A mãe, Clair, 42 anos, é gerente de vendas
de uma confecção. Chega a ligar para casa dez vezes por dia para controlar o tempo dele e do irmão, Gabriel, nove anos. “Ligo para acordar o Gabriel, para saber se ele comeu direito. Com o Leandro, tenho de controlar se ele estudou e fez as lições”, diz. A dificuldade em lidar
com o relógio é tamanha que, não raro, Clair deixa para passar no supermercado depois das 23h. O marido, Mário, 41, também não pára
em casa. Ele é dono de um posto de gasolina com lojas que abrem
24 horas de domingo a domingo.

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Se a vida do jovem já é complicada pelo excesso de compromissos,
a falta de contato com os pais piora as coisas. Muitos só percebem
a necessidade de administrar o tempo quando o caldo entorna. Por acreditar que pode resolver tudo na prova final ou na recuperação,
o adolescente deixa para estudar na última hora, calcula mal o tempo
e reluta em dar a má notícia da nota vermelha à família. Isso não aconteceria se os pais conversassem diariamente sobre a escola
e ficassem atentos à agenda do filho. “Para o jovem, planejamento
soa como prisão, mas se souber se organizar, ganhará mais tempo
para se divertir”, ensina a orientadora Juçara dos Santos. “Uma tarefa
de 15 minutos pode demorar 45 se o adolescente a interrompe para
tomar água, ir ao banheiro, atender o telefone. Com bom planejamento, uma hora e 20 minutos por dia é suficiente para o jovem fazer o
que precisa”, calcula ela.

Planos – O ato de planejar está estritamente ligado à organização pessoal. Separar os trabalhos em pastas, arrumar a mesa e usar a agenda são atos simples que ajudam. “É comum eu não encontrar a matéria da prova quando resolvo estudar. Ligo para um colega para copiar tudo de novo”, admite João Bernardo Cidade. Aos 13 anos, ele é o típico adolescente carioca: namora, pega onda, toca violão e não perde um jogo do Fluminense. “Se algum amigo me chama para jogar bola ou ir à praia, abandono os livros”, confessa. Apesar das falhas, João nunca foi reprovado e se mantém na média. Ele dá a receita: “Tiro todas as dúvidas com o professor e mantenho a matéria em dia”, ensina. Ponto para ele. João venceu, sem saber, outro importante desperdiçador de tempo: a falta de comunicação em sala de aula.

Para a educadora Nívea Gomes Basile, diretora da Escola Vésper Estudo Orientado, de São Paulo, a motivação é um ingrediente que não pode faltar em nenhuma tarefa. “Para pesquisar sobre kart, o jovem se concentra. O mesmo não acontece se o tema for história. Ele se desvia do que não lhe dá prazer e enrola. Perde tempo em vez de acabar logo o trabalho para se divertir”, diz ela. É preciso otimizar o tempo. “Em vez de reclamar quando o pai demora para buscá-lo na escola ou enquanto o ônibus não passa, ele pode pegar um caderno e adiantar o serviço”, sugere.

A educadora recebe cerca de 400 alunos por ano na instituição que dirige, especializada em orientação de estudos. Cada vez mais, no entanto, os colégios estão assumindo esse papel. A ajuda da escola tem sido um santo remédio para a carioca Clara Ribeiro Trevia de Almeida, 15 anos. Aluna da Escola Dinâmica do Ensino Moderno (Edem), em Botafogo, ela sempre se enrolava para conciliar os deveres, o inglês, o violão, o balé, o namorado, os passeios diários na Lagoa ou na praia e o sagrado bate-papo com as amigas pelo telefone. Tudo ficou mais fácil quando a psicóloga da escola, Cybele Gurgel, passou a montar com os alunos cronogramas de estudo em casa. O de Clara prevê duas horas, com revisão diária e preparação para as provas. A jovem virou garota-propaganda da gestão do tempo. “Participo mais da aula e ganho tempo para passear e telefonar”, comemora. No Colégio São José, também no Rio, há um programa semelhante. O primeiro passo é encorajar o estudante a se auto-avaliar, identificando os pontos de dispersão. Em seguida, é feito um pacto. O aluno se compromete a trabalhar os pontos fracos e a escola, a acompanhá-lo nas dificuldades. O acordo é assinado pelo jovem e enviado aos pais.

Técnicas – A mesma preocupação demonstrada pelos colégios particulares tem contagiado também a rede pública. No dia 5 de agosto, o Instituto de Gestão Educacional vai lançar em 100 escolas públicas de São Paulo e Santa Catarina o Programa Nacional de Gestão Educacional. Com conselheiros famosos como o publicitário Nizan Guanaes e o ex-ministro Paulo Renato Souza, o instituto vai ensinar técnicas para motivar professores e alunos a repensar o espaço e o tempo escolares. “O foco é ocupar o tempo de forma positiva, para que o aluno se sinta confiante, alegre e produtivo”, explica o empresário paulista Luís Norberto Pascoal, 56 anos, diretor da Fundação Educar e um dos conselheiros da entidade. Entre os conceitos que o instituto vai trabalhar está a necessidade de estabelecer prioridades.

O excesso de atividades é um complicador sério. Que o diga o jovem Daniel Pucci, 17 anos. Ele sai de casa antes das 7h e, quase sempre, volta depois das 20h. Faz aula de piano, academia, rúgby, uma sessão de fisioterapia e duas de psicoterapia. E ainda dá aulas particulares. “Acabo estudando na véspera da prova e, muitas vezes, copio a lição de um colega no intervalo. Durmo e me alimento mal, mas não consigo abrir mão de nada”, diz. Ele sabe que, com a proximidade do vestibular, deve descartar algumas atividades, mas não sabe por onde começar. Mesmo assim, tira boas notas. A explicação, segundo o coordenador pedagógico do cursinho pré-vestibular Pró-USP, Ronaldo Peruccini, é simples. “As pessoas mais ocupadas aprendem na marra a administrar o tempo”, diz ele. Autor do livro Tempo para tudo (Ed. Madras), Peruccini compara o tempo a um carro com 24 horas-litro no tanque. “É preciso descobrir para onde você quer ir e qual o melhor caminho. Sem esse planejamento, vai fazer muitos desvios e rodar à toa”, alerta. Um dos pecados dos estudantes, segundo Peruccini, é a procrastinação, deixar para amanhã o que pode ser feito hoje. “O estudo na véspera da prova está sujeito ao bloqueio emocional que chamamos de branco. Não é retido na região do cérebro dedicada à memória de longo prazo”, ensina.

Além disso, muitas vezes o adolescente confunde o urgente com o importante. “Ficar no ICQ com os amigos pode ser mais importante do que estudar, mas a prova está marcada. Estudar, então, é urgente. Se ele se livrar do que é urgente pode se dedicar ao que acha importante”, sugere Eduardo Chaves, professor de filosofia da educação na Universidade de Campinas (Unicamp). O professor concorda com o pensador italiano Domenico de Masi, para quem o ócio merece destaque na agenda e o trabalho deve ser sempre prazeroso. “A escola inteligente é aquela que utiliza a seu favor o que já é do interesse do jovem”, opina.


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