chamada.jpg
NA ALEMANHA
Manifestante protesta em frente à usina nuclear de Neckarwestheim, em Stuttgart, no sábado 12

Pouco mais de uma semana depois do terremoto que devastou o nordeste do Japão, todas as atenções do mundo permanecem voltadas para os seis reatores que compõem o complexo nuclear da usina de Fukushima 1. A central nuclear é operada pela Tokyo Electric Power Company (Tepco), que acabou se tornando protagonista involuntária na discussão sobre segurança e validade da energia nuclear. Suas operações de contenção no Japão estão sob escrutínio internacional – com direito a transmissão em tempo real pela internet –, ao passo que líderes de diversos países expressam seus receios quanto aos benefícios da tecnologia.

Mesmo as nações de forte tradição nuclear, como a Alemanha, anunciaram medidas que aceleram a redução da dependência atômica. A chanceler do país europeu, Angela Merkel, anunciou na segunda-feira 14 – depois de uma série de manifestações populares – uma moratória nas políticas pró-nucleares do país, efetivamente impondo revisões de segurança nas usinas alemãs. Um dia depois, Angela paralisou o funcionamento de sete delas, provocando reações indignadas dentro de seu próprio partido, que tem viés conservador.

img1.jpg
NA FRANÇA
Ativistas pedem o fim do uso da energia atômica em Paris, no domingo 13

É o primeiro sinal de que o acidente no Japão deve gerar uma queda significativa no uso de uma tecnologia que sempre assombrou o mundo por conta de seu potencial e das catástrofes ligadas a ela. A crise do petróleo de 1973 aumentou o interesse da população e dos políticos por fontes renováveis de energia – vide a introdução do etanol no Brasil –, mas também deixou o planeta ainda mais dependente da queima do carvão mineral e das usinas nucleares. Agora, em um mundo também preocupado com o aquecimento global e as emissões de gases do efeito estufa, países europeus, como França e Suécia, enfrentam uma crise energética peculiar: a da opinião pública. É hora de mudar.

“A situação em Fukushima é extremamente excepcional e improvável de se repetir em qualquer outra usina nuclear”, afirma Patrick Moore, um dos fundadores e hoje dissidente do grupo de defesa do meio ambiente Greenpeace. Moore se afastou do núcleo da ONG que ajudou a criar por discordar dos métodos empregados pelos ativistas nos últimos anos. “O Greenpeace está errado porque a energia nuclear é a única tecnologia que pode substituir o consumo de carvão mineral. Se um barco afunda, não banimos os barcos”, compara. Moore – protagonista das primeiras campanhas do então desconhecido Greenpeace – tornou-se um pária entre os ambientalistas, que o acusam de representar o interesse de madeireiras e de usineiros atômicos.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Por maior que tenha sido a evolução da tecnologia nuclear nas últimas décadas, fatores como a ação imponderável da natureza e a falha humana não podem ser descartados da equação. “Os benefícios superam os riscos”, afirma Moore, que hoje atua como consultor sobre meio ambiente e sustentabilidade à frente da empresa GreenSpirit Strategies. Sua opinião é rechaçada por especialistas de diversos países – como o ex-reitor da USP e ex-presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), José Goldemberg, que joga por terra o conceito de que a energia nuclear pode ser considerada verde. “Energia nuclear só é ‘limpa’ porque não provoca a emissão de gases do efeito estufa, como dióxido de carbono. Ela é ‘suja’ porque o lixo radioativo é perigosíssimo e acidentes nucleares como o do Japão podem lançar radioatividade na atmosfera”, diz Goldemberg.

img3.jpg
Hiroshima
1945 – A cidade em ruínas depois do bombardeio nuclear norte-americano

img2.jpg
Natori
2011 – Casal carrega seus poucos pertences
nas ruas ainda enlameadas da cidade devastada

A preocupação com os níveis de emissão de gases poluentes na atmosfera se tornou uma das principais bandeiras ambientalistas e o movimento ganhou força com as mudanças climáticas sendo sentidas por todo o mundo nos últimos anos. Mas os acontecimentos em Fukushima trouxeram à tona o medo de um acidente como o de Chernobyl. Em 1986, uma fração significativa do material radioativo foi exposta após um acidente crítico na usina soviética, impondo a criação de uma zona de exclusão de 30 quilômetros ao redor da área atingida. O evento é considerado o único a alcançar o nível máximo de risco (nível 7) na escala para medição de eventos nucleares internacionais (International Nuclear and Radiological Event Scale).

O acidente em Fukushima foi classificado pelo governo japonês em nível 5 na mesma escala, indicando que as consequências ultrapassaram os limites locais. Especialistas russos e franceses discordam da análise, alegando que o evento deveria ser classificado no nível 6, de maior alcance e risco. Se houve má-fé na avaliação ou o intuito de esconder a real situação dos reatores, o efeito alcançado acabou sendo o inverso. Com a cobertura ostensiva da imprensa internacional, que acompanha o que acontece minuto a minuto nos reatores da usina, uma classificação de “apenas” nível 4 provoca ainda mais insegurança e receio de um possível acidente em nível 6 ou 7. Apenas na sexta-feira 18 é que o governo japonês reclassificou o acidente para o nível 5.

O resultado é que boa parte dos países dependentes da energia nuclear começa a buscar políticas mais severas para a avaliação de suas usinas. Além da Alemanha, Rússia, Índia e Espanha já encomendaram novos relatórios sobre o estado de suas instalações em funcionamento, e a Venezuela de Hugo Chávez optou por suspender os planos de erguer uma central ­nuclear. A China, que atualmente constrói 27 plantas atômicas, anunciou na quarta-feira 16 que as aprovações de novos projetos também foram interrompidas até que seus padrões de segurança sejam revistos. O Chile, país de histórico sísmico parecido com o japonês, enfrenta onda de protestos desde que seu governo anunciou a assinatura de um acordo de cooperação nuclear com os Estados Unidos, também na quarta-feira 16.

Nações asiáticas muito populosas, como Índia, China e Coreia do Sul, enfrentam o problema adicional do alto consumo, virtualmente impossível de ser garantido a curto prazo com alternativas consideradas “verdes”. O perigo se repete nas regiões em desenvolvimento, como América Latina, Leste Europeu e África, nas quais economias aquecidas e o crescimento acelerado impulsionam a demanda.

img.jpg
DEPENDÊNCIA
Usina de Tarn-et-Garonne, uma das 58 em atividade na França

A reação internacional foi quase imediata, com protestos antinucleares tomando ruas do Chile, da Inglaterra, França, Turquia e África do Sul. Na Alemanha, onde 80% da população afirma ser contra o uso da energia nuclear, 60 mil pessoas formaram uma corrente humana de 45 quilômetros entre a cidade de Stuttgart e a usina de Neckarwestheim.

O ano de 2002 marcou o pico histórico do número de reatores nucleares em operação ao redor do mundo: eram, ao todo, 444. O começo da década chegou a ser chamado de “Renascimento Nuclear”, impulsionado pela necessidade de redução da dependência do carvão mineral e da emissão de gases poluentes na atmosfera e pelo aumento do preço do petróleo. Os acontecimentos em Fukushima e a iminência de um acidente que alcance os mesmos níveis de risco apresentados em Chernobyl representam, no entanto, um golpe talvez definitivo ao lobby atômico.

O Japão – única nação atingida por bombas atômicas em situação de guerra na história – foi um dos primeiros países a lançar as bases do uso pacífico da energia nuclear durante sua recuperação no pós-guera. Agora, mais uma vez, serve de exemplo para o mundo ao mostrar como somos impotentes diante da fúria da natureza. Resta saber quantos “eventos excepcionais” serão necessários até que se chegue a um consenso razoável sobre quais são as fontes de energia verdadeiramente confiáveis e benéficas para todos nós.


G_linha_atomica1.jpg

img4.jpg

Leia todas as reportagens do ESPECIAL TRAGÉDIA NO JAPÃO

De olho em ANGRA 3

Um país a ser reconstruído

A volta do medo nuclear

Esse homem escapou de Hiroshima


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias