chamada.jpg
CONTAMINAÇÃO
Voluntário lança desinfetante em área afetada pelo tsunami

Nas últimas décadas, nenhum país enfrentou uma sequência tão devastadora de tragédias quanto o Japão. Desde as bombas nucleares arremessadas contra Hiroshima e Nagasaki na Segunda Guerra Mundial até os terremotos que ao longo dos anos produziram algumas das mais pavorosas cenas de destruição provocadas pela natureza, os japoneses parecem destinados a se defrontar com cataclismos como o tsunami de duas semanas atrás. Apesar da intensidade desses acontecimentos, o país sempre conseguiu se reerguer – e não há uma única exceção à regra. Historiadores deram até um nome para essa fantástica capacidade de recuperação. Trata-se do que eles chamam de “ethos” guerreiro, um código de conduta criado pelos samurais para ressaltar princípios como coragem, retidão e honra. Essas qualidades estão incorporadas ao espírito da nação e podem ser comprovadas em atos de bravura registrados nos últimos dias. O que dizer dos técnicos que tentam conter os danos nas usinas atômicas, a despeito dos riscos impostos à sua própria sobrevivência? Ou de voluntários que se apresentaram para ajudar na reconstrução de rodovias? Ou de famílias inteiras que, mesmo diante da ameaça da falta de comida e água, dividem o pouco que têm com estranhos? São exemplos como esses, de obstinação e disciplina, que asseguram que o Japão será reconstruído. E, novamente, em tempo recorde.

O cenário desolador tem potencial para espalhar o desespero. Estradas e linhas ferroviárias retorcidas, fábricas fechadas, pontes destruídas, prédios em ruínas, ameaça nuclear; a tudo isso foi acrescentado o medo de uma nova série de tremores. A destruição é tão grande que o governo japonês ainda não conseguiu estimar com precisão seu impacto financeiro. Segundo projeções da Goldman Sachs, provavelmente ele será superior a meio trilhão de dólares, considerando a injeção de dinheiro feita na semana passada pelo Banco Central para alimentar a economia do país e os recursos necessários para as obras de recuperação da infraestrutura, como reconstrução de pontes, portos e rodovias. Parte do dinheiro virá das próprias reservas monetárias do Japão, que somam US$ 1,3 trilhão, e as autoridades estudam a criação de uma espécie de fundo financeiro para captar recursos estrangeiros oferecidos por nações como Estados Unidos e China.

Apesar da dimensão da tragédia e dos custos que acarretará, não é do espírito japonês perder tempo com lamentações. É hora de trabalhar. Mais de cinco mil soldados do Exército foram convocados para ajudar na reconstrução e o governo organizou um comitê formado por representantes da defesa civil, engenheiros e técnicos de diversas áreas que têm a missão de acelerar as obras. A ajuda humanitária chega de todas as partes. O governo chinês anunciou o envio de 20 mil toneladas de combustível e US$ 4,5 milhões ao ex-inimigo Japão. Os Estados Unidos mandaram uma unidade com especialistas nucleares, além de equipes de busca e resgate em áreas urbanas. As dificuldades são enormes. No nordeste do país, falta água em mais de 80% das residências e a energia está sendo racionada. Chegar a Sendai, uma das regiões mais afetadas, se tornou um suplício. A partir de Tóquio, a viagem de carro dura um dia e meio (antes, a distância era coberta em quatro horas) e os postos de combustível do trajeto foram fechados.

 

 

img1.jpg
OBSTINAÇÃO
Apesar das dificuldades, como as nevascas sobre Sendai, bombeiros não pararam de trabalhar

Na comunidade internacional, não há dúvida a respeito do futuro japonês: ele continuará a ser um dos líderes do desenvolvimento global. “O Japão é um país rico, dotado de uma economia forte, e possuidor de todos os recursos financeiros necessários para enfrentar os desafios provocados pelo terremoto e pelo tsunami”, disse Caroline Atkinson, diretora do Fundo Monetário Internacional. Dono da terceira economia do planeta, o Japão é um gigante estagnado há pelo menos duas décadas. A tragédia pode provocar estragos no PIB, mas ao mesmo tempo sinaliza uma oportunidade de fortalecimento. A história demonstra que isso é possível. Nenhum país experimentou uma transformação econômica tão exuberante como a que viveu o Japão após a guerra, especialmente de 1950 até a metade de 1970. Uma nação essencialmente agrícola se converteu em uma grande exportadora de tecnologia de ponta e líder mundial em diversas áreas de negócios. Surgiram corporações que se tornaram referência em seus setores, como Sony e Toyota, e o país consolidou sua vocação inovadora. No segmento de eletrônicos, os japoneses passaram a ser imitados até pelos americanos, que acabaram por incorporar às suas empresas a máxima de que, quanto menor o produto, mais eficiente ele é.

img.jpg
DESOLAÇÃO
Morador de Onagawa chora o sumiço da mãe e lamenta a destruição de sua casa

O país conseguiu se reerguer com uma série de medidas de incentivo à economia, mas a propulsão veio com a incorporação de novas tecnologias que se revelaram revolucionárias (na indústria automobilística, o sistema kaizen, que consistia num modelo enxuto de produção de carros, passou a ser copiado no mundo inteiro). Isso só foi possível com maciços investimentos feitos em educação, que permitiram o aparecimento de uma classe de profissionais de alta qualificação. A essas medidas somaram-se ajudas internacionais. O Japão foi contemplado com US$ 14 bilhões pelo Plano Marshall, idealizado pelos Estados Unidos com o objetivo de afastar a ameaça comunista. Depois da Segunda Guerra, o país precisou de uma década para se recuperar. Quantos anos serão necessários agora? Na visão otimista, em dois anos nenhum sinal da tragédia restará. Na pessimista, o prazo é de sete anos para uma total recuperação. O tempo é indefinido, mas uma coisa é certa: o Japão mais uma vez será reconstruído com coragem, honra e obstinação.

G_Economia_Japao.jpgG_Economia_Japao_2.jpg

 

Leia todas as reportagens do ESPECIAL TRAGÉDIA NO JAPÃO

De olho em ANGRA 3

Será o fim da energia atômica?

A volta do medo nuclear

Esse homem escapou de Hiroshima