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ACASO
Um livro encontrado no lixo despertou nele a vontade de ler

Ele quase virou jogador de futebol. Foi por pouco que a trajetória de Otávio Jr. não repetiu a saga de muitos meninos de comunidades carentes do País. A habilidade com a bola foi rapidamente substituída pelo amor às letras. Sorte dele e dos quase 150 mil moradores dos Complexos do Alemão e da Penha, favelas do Rio de Janeiro que ficaram marcadas pela invasão de forças de segurança no final do ano passado, dando fim ao império dos traficantes. Em vez de amargar nas peneiras dos grandes times, sonhando ser um novo craque, Otávio Jr. se tornou um obstinado difusor da leitura. Há seis anos, ele criou o projeto Ler é 10 – Leia Favela, uma biblioteca itinerante que circula pelos dois complexos. Agora, com o apoio de duas grandes organizações, ele está transformando um antigo forró local em uma biblioteca fixa que contará com um acervo de quase quatro mil livros, fruto de doações de editoras e de colaboradores. O carioca de 27 anos também é um aspirante a escritor. Na semana passada, ele lançou seu primeiro livro, “O Livreiro do Alemão” (Panda Books), no qual conta sua trajetória.

Nascido e criado na Vila Cruzeiro, de onde saiu o jogador Adriano, Otávio se apaixonou por literatura quando, ainda menino, encontrou um saco de lixo cheio de brinquedos. Enquanto os amigos se digladiavam pelos achados, ele viu uma edição velha e surrada do livro infantojuvenil “Don Gatón”. Foi abduzido para o mundo das letras, de onde nunca mais voltou. Dali em diante, saiu pela vizinhança pedindo livros emprestados. Paralelamente, começou a escrever. Sobretudo quando o fogo cruzado entre traficantes e policiais ficava intenso no morro. Enquanto sua biblioteca particular crescia, Otávio começou a escrever peças teatrais que ele mesmo representava em escolas da região. Cobrava uma entrada modesta, de R$ 1, e exercitava sua verve artística. No final do mês, ganhava uns trocos e ajudava a mãe com as despesas.

O desejo de se tornar escritor o fez tomar atitudes ousadas, como ir até a casa de autores como Ziraldo e mandar suas histórias para as editoras. Ouviu muito não e levou porta na cara até o dia em que um gentil dono de gráfica topou rodar seu livreto gratuitamente. Por causa de sua ambição – fazer sua comunidade ler –, Otávio já participou de dezenas de eventos literários, viajou por países da América do Sul e dá palestras em todo o país. Seu maior orgulho, entretanto, é ter introduzido a leitura na vida de dez mil crianças e adolescentes. Em sua missão quixotesca, consegue índices de leitura acima da média nacional. “Enquanto o brasileiro lê quatro livros por ano, há crianças aqui lendo isso em uma semana”, orgulha-se.

No ano passado, durante a invasão no complexo, Otávio deixou os recortes de jornal com reportagens sobre seu trabalho em cima da mesa caso alguém invadisse sua casa. “Se eles vissem meus computadores e equipamentos, podiam facilmente achar que era tudo roubado”, diz. Hoje, celebra, a comunidade dorme em paz. E, no que depender dele, ao embalo de algum conto de fadas ou épico literário.

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