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“Em Ibiza se celebra a vida. Fico com o meu
bloquinho desenhando as expressões”
Olivier Mourão

Existem artistas que trabalham na reclusão, alimentados pelos próprios fantasmas. Outros são mais extrovertidos, deixam que o mundo contamine a sua obra. Esse é o caso do pintor mineiro Olivier Mourão, 75 anos, 41 deles passados na Inglaterra, onde fixou residência na época da ditadura militar no Brasil. Gostou tanto de seu país adotivo que vive nele até hoje. “Preciso das pessoas para me inspirar”, diz Mourão, e essa frase serve também para definir a sua atitude diante da vida. Conhecido tanto por suas telas generosas em cores e formas quanto pelas festas que promove em sua residência londrina (e também no seu ateliê em Ibiza, na Espanha), ele faz a sua primeira retrospectiva no País desde os anos 1970, no Museu Inimá de Paula, em Belo Horizonte. Está sendo uma alegria: “É nessa hora que as pessoas estão mais descontraídas.”

Natural, então, que a pintura de Mourão seja sempre centrada na figura humana. Foi assim desde os 12 anos, quando os desenhos que fez dos colegas de escola foram parar no maior jornal da capital mineira. Já famoso, na década de 1960, foi convidado pela mulher do então presidente João Goulart, Tereza Goulart, para retratar os filhos do casal. E começaram as festas. Uma entrou para o anedotário, a chamada “Uma noite no inferno”, que terminou com uma sacrílega bebedeira – e um pouco mais – nas escadarias da Igreja São Francisco de Cima, em Ouro Preto. “Fui convidado a me retirar da cidade”, diz Mourão, que tinha nela um ateliê. O episódio é lembrado como precursor do famoso Carnaval ouropretano e a senha para que buscasse novos ares em Londres.

Foi quando integrou a turma de exilados que incluía os cantores e compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil e o cineasta Neville d’Almeida. “Eles voltaram, eu fiquei”, diz. Melhor para Mourão. Suas telas agradaram, ele ganhou muito dinheiro e, claro, passou a promover encontros memoráveis e a conhecer pessoas como os roqueiros das bandas The Beatles e The Rolling Stones e os pintores espanhóis Salvador Dali e Pablo Picasso. Aliás, se existe uma pessoa que inspira Mourão, é Picasso: “Ele e Matisse têm desenhos seguros. Meu trabalho segue a simplicidade do traço deles.” Dali tornou-se amigo por acaso: “Ele me chamou para sentar à sua mesa em um café. E assim começou.” Já os guitarristas Keith Richards e Jimmy Page eram habitués de sua casa. “Não tenho deslumbramento pelos famosos. Acho que eles gostam disso”, afirma. Devem apreciar também as suas extravagâncias, como se locomover pela cidade com um Rolls Royce de funerária que tinha a vantagem de abrigar suas telas e nunca ser multado. Mas o veículo foi aposentado, não pelas infrações. “Bastava estacionar em frente a alguma casa para as pessoas acharem que alguém havia morrido”, diz. Com seu humor mineiro e internacional, Mourão certamente não poderia se passar por um agente funerário.