Foi ali que Tom Jobim e Vinícius de Moraes se inspiraram para compor a música Garota de Ipanema, dando fama internacional ao bairro. Leila Diniz desfilou por suas areias o barrigão de grávida, exibindo uma até então inédita silhueta de biquíni. Houve também a tanga de crochê de Fernando Gabeira na volta dos exilados e tantos outros fatos que garantiram a Ipanema o status de bairro carioca que mais lança comportamento. Por essas e outras, o prefeito César Maia assinou na terça-feira 22 o decreto criando o Sítio Cultural de Ipanema. Trata-se de uma nova modalidade de preservação, que visa eternizar personagens, ruas, imóveis e, sobretudo, uma atmosfera que sobrevive à especulação imobiliária. A medida garantiu a conservação de mais de 200 imóveis das décadas de
20 a 60, como o prédio verde e amarelo de quatro andares do início do século da rua Maria Quitéria.

Outro, como não poderia deixar de ser, é o Bar Veloso – rebatizado de Garota de Ipanema –, de cuja varanda Tom e Vinícius avistaram, em 1962, as curvas da louríssima Helô Pinheiro, a “coisa mais linda… num doce balanço a caminho do mar”. E criaram a antológica canção. “Me tombaram, virei patrimônio histórico”, brinca Helô, 58 anos, dona da loja de moda praia e suvenires Garota de Ipanema, inaugurada há dois meses. No caso do bar, a inclusão se baseou em critério puramente cultural e histórico: “O prédio não tem valor arquitetônico, mas sua importância para a bossa nova o inseriu no Sítio Cultural”, explica Ricardo Macieira, secretário municipal de Cultura.

O bairro ganhará placas e estrelas douradas, identificando os principais points. Uma delas brilhará no endereço onde funcionou o Zepelin, na rua Visconde de Pirajá. Era ali que a esquerda se reunia na década de 70 para baixar o pau na ditadura militar. O bar Jangadeiro, outro pólo de resistência, que teve Glauber Rocha como um dos mais assíduos, também ganha sua estrela, próximo à praça General Osório. As placas servirão para prestigiar endereços nobres como a rua Nascimento Silva 107, onde morou Tom Jobim. Apesar de as casas terem virado prédios, são as ruas transversais que ainda mantêm o charme do bairro.

Na semana passada, o Instituto Pereira Passos, da Prefeitura do Rio de Janeiro, divulgou uma informação que inflou ainda mais os brios ipanemenses. Enquanto o Brasil ocupa o 65º lugar no ranking que mede o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 175 países, o bairro de Ipanema aparece em situação privilegiadíssima: se fosse um país, estaria na frente da Noruega, Islândia e Suécia. O estudo toma como base os dados do censo de 2000. A notícia gerou a sugestão de uma alcunha para o bairro: República de Ipanema. A república pode não vingar, mas o Sítio Cultural de Ipanema já está garantido. Os ilustres moradores Fernanda Montenegro, Caetano Veloso, Malu Mader e Millôr Fernandes que se ufanem. Mesmo com a poluição periódica da praia, a invasão de flanelinhas, crianças de rua e engarrafamentos, Ipanema é, agora oficialmente, um território cheio de graça.