Arte: Fernando Brum

De tempos em tempos, o debate econômico no Brasil é contaminado por enfadonhas discussões monotemáticas. Ora se discute o nível dos juros, ora os entraves ao crescimento, ora a taxa de câmbio ideal – como se uma coisa não estivesse ligada a outra e pudesse ser vista de maneira isolada. Na semana passada, a bola da vez foi a cotação do dólar. A queda de um mísero centavo na taxa de venda da moeda americana para R$ 2,08, na terça-feira 6, ampliou a choradeira de empresários exportadores – que perdem receita em reais quando isso acontece – e reverberou até nos ouvidos do presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva cancelou um encontro que teria com o presidente do Senado, Renan Calheiros, e convocou uma reunião de emergência no Alvorada.

Lula chamou os ministros Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo (Planejamento) e Henrique Meirelles (Banco Central). Estaria preocupado com o efeito do dólar barato nas exportações e no crescimento econômico. Conversaram durante três horas. À saída do encontro, ouviu-se o óbvio. Mantega assegurou que a política cambial não muda. Nem poderia: é uma das âncoras da estabilidade, ao lado do sistema de metas de inflação do Banco Central e a geração de receitas para pagar a dívida pública. Essa combinação resultou na inflação controlada e no aumento do poder de compra da população, dois fatores que contribuíram muito para a reeleição de Lula. Por isso, o dólar vai continuar subindo e descendo, ao sabor do fluxo de capitais. “São oscilações normais. Temos um câmbio flutuante e, portanto, ele tem flutuado. Para cima e para baixo”, afirmou Mantega. Ululante. Voltar ao sistema de taxa de câmbio administrada ou fixa, como se fez anteriormente, seria um retrocesso. Poderia causar aumentos de preços e exaurir as reservas internacionais rapidamente. “O BC trabalha com regime de metas de inflação. Não trabalha com regime de metas de câmbio, que já foi tentado no Brasil e não deu certo”, argumenta Meirelles.

O máximo que cabe ao Banco Central é impedir flutuações bruscas da moeda americana. Ele faz isso comprando o excesso de dólares que entra no País por conta das fortes exportações e remessas para investimentos. Nos primeiros dias de fevereiro, o BC gastou mais de US$ 6 bilhões com intervenções no mercado cambial. Não fossem por elas, a cotação já teria despencado para menos de R$ 2. Provavelmente, esta é só uma questão de tempo. “A intervenção no câmbio é como um dique. Segura, mas tem um montão de água por trás”, compara Paulo Leme, diretor da Goldman Sachs em Nova York.

Ninguém segura esse dólar

Lá fora, o dólar tem perdido força diante das outras moedas fortes, como o euro. Aqui, continuará caindo nos próximos meses, mesmo que lentamente, enquanto a situação econômica no País e no Exterior continuar favorável ao crescimento das exportações de produtos brasileiros e à forte atração de capitais. Na avaliação de Leme, o real forte não é um problema. “É um privilégio, um prêmio pelo sucesso”, diz.

Isso não quer dizer que o governo tenha de cruzar os braços. Não pode nem deve. As reservas internacionais do Brasil já passaram de US$ 92 bilhões. Cada dólar comprado pelo BC tem um custo, que é a diferença entre as taxas de juros pagas aos credores internos (mínimo de 13%) e a rentabilidade da aplicação das reservas no Exterior (nos Estados Unidos, a taxa básica está em 5,5%). A política de acumulação de moeda estrangeira está chegando ao limite desejável. E quais são as saídas? Em vez de tentar conter o dólar, deixá-lo flutuar mais livremente. Para compensar as perdas de receitas dos exportadores – nem todos os setores têm sido afetados, já que os preços dos produtos minerais e agrícolas subiram muito nos últimos anos –, Lula poderia ajudar a aumentar a competitividade das empresas. Assim, elas poderiam concorrer com as companhias chinesas aqui e lá fora. Como? Diminuindo a carga tributária, de 38% sobre a riqueza nacional, e os encargos trabalhistas. Reduzindo tarifas de importação e permitindo a modernização do parque industrial, a compra de componentes mais baratos lá fora e a exportação de produtos com maior valor agregado – como os aviões da Embraer. “As reformas tributária e trabalhista seriam formas mais inteligentes de lidar com o problema”, aconselha Leme. Os ganhos de longo prazo compensariam os custos – e o BC poderia reduzir as taxas de juros mais ainda.