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DOZE PEDIDOS Documentos do STJ mostram que a família de Direito solicitou upgrade à Air France e "atendimento especial" à Receita e à P

ANTIGOS PRIVILÉGIOS…

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Na mesma semana em que a Câmara dos Deputados se viu pressionada pela opinião pública a acabar com a chamada "farra das passagens aéreas", documentos obtidos com exclusividade por ISTOÉ demonstram que, na Esplanada dos Ministérios, a obtenção de privilégios pessoais ou para parentes, graças à função pública, não estava restrita ao Legislativo. Doze ofícios do Superior Tribunal de Justiça (STJ), emitidos entre fevereiro e dezembro de 2008, revelam que familiares e amigos do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do Supremo Tribunal Federal (STF), tinham acesso a um esquema VIP nos embarques e desembarques internacionais no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.

Assim, era possível ir a Paris numa classe superior à determinada pela passagem e voltar de Miami sem passar pelos trâmites impostos pela Receita Federal aos cidadãos comuns, que muitas vezes se veem obrigados a abrir as malas nos saguões de desembarque. Familiares e amigos do ministro também não ficavam nas filas que antecedem os equipamentos de raio X da Polícia Federal e tinham franqueado acesso a áreas restritas do aeroporto.

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O Superior Tribunal de Justiça tem, no Rio de Janeiro e em São Paulo, representações destinadas a facilitar o deslocamento dos ministros quando estão a serviço da corte. Direito foi ministro do STJ durante 11 anos, mas em agosto de 2007 o presidente Lula o indicou para o Supremo Tribunal Federal. Direito, contudo, continuou a usar a estrutura do outro tribunal para facilitar o trânsito da mulher, dos filhos, da nora e de amigos no Aeroporto Internacional do Galeão.

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Em 10 de fevereiro do ano passado, por exemplo, Carlos Gustavo Vianna Direito, juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e sua mulher, Theresa Direito, chegaram ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, às 7h25. Viajaram no voo 0442 da Air France, procedente de Paris. Três dias antes, em 7 de fevereiro, o ofício 018/08 do Superior Tribunal de Justiça, informava ao inspetor-chefe da Receita Federal no aeroporto, Elis Marcio Rodrigues e Silva, que Carlos Gustavo é filho de Carlos Alberto Menezes Direito, ministro do Supremo Tribunal Federal, e solicitava que ele e a mulher recebessem "atendimento especial para o desembarque".

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O documento do STJ pede ainda que tanto o ministro Direito como sua esposa, Wanda, possam ter acesso "à área restrita do aeroporto" para se encontrar com o casal. No mesmo dia, o então chefe da representação do Superior Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro, Wagner Cristiano Moretzsohn, expediu outros dois ofícios. O de número 017/08 foi encaminhado a Paulo Roberto Falcão Ribeiro, delegado da Polícia Federal no aeroporto Antônio Carlos Jobim, e o de número 016/08 teve como destinatária a coordenadora de comunicação social da Infraero no aeroporto, Izabel Iria D’Abbadia. O conteúdo deles é idêntico ao que fora encaminhado à Receita Federal. "Os documentos mostram que, a pedido do tribunal, esses passageiros podem ter saído do avião e entrado em um carro sem passar pela alfândega ou mesmo pelo terminal do aeroporto", explicou à ISTOÉ um funcionário da Infraero no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.

Em 17 de julho do ano passado, Moretzsohn encaminhou um outro ofício do Superior Tribunal de Justiça ao inspetor-chefe da Receita no
Aeroporto Antônio Carlos Jobim. Nele, o ex-chefe de representação do STJ no Rio solicita "atendimento especial" para a promotora de Justiça Luciana Direito, filha do ministro do STF, e também pede para que o pai ministro possa ter acesso à área restrita do aeroporto. "Não existe na legislação previsão sobre atendimento especial no embarque ou desembarque para autoridades, seus filhos ou amigos", disse à ISTOÉ Valéria Barbosa, chefe de comunicação social da Receita Federal em Brasília.

Luciana desembarcou às 8h05 do vôo 0247 da British Airlines, procedente de Londres, em 21 de julho do ano passado. A chegada da promotora Luciana ao Brasil contou com os mesmos privilégios dados em fevereiro a seu irmão e a sua cunhada. Além da Receita, ofícios com conteúdo semelhantes foram encaminhados pelo STJ aos representantes da Polícia Federal e da Infraero no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. "Os parentes dos ministros costumam chegar de viagem carregando cinco ou seis malas gigantes e passam direto pela alfândega", disse à ISTOÉ uma fiscal da Receita Federal no aeroporto Antônio Carlos Jobim, na tarde da terça-feira 28.

Norma desrespeitada – Além de contrariar a legislação da Receita, os pedidos oficiais em nome do ministro Direito feriram também uma norma interna do STJ. A resolução número 02/2008, assinada pelo presidente Cesar Asfor Rocha, em 29 de outubro do ano passado, estabelece "rotinas administrativas para os serviços de embarque e desembarque dos ministros do Tribunal e para o uso dos serviços das representações no Rio de Janeiro e em São Paulo". No artigo 1º, Asfor Rocha determina que os "serviços relativos ao embarque e desembarque serão privativos dos ministros em atividade, dos aposentados e dos respectivos cônjuges". Nenhuma referência é feita a autoridades de outros tribunais ou a filhos, parentes e amigos dos ministros. Em seguida, determina que "apenas com expressa autorização do presidente os serviços poderão ser estendidos a outras pessoas".

Apesar da resolução interna, Direito continuou usando os privilégios para favorecer parentes. Em 25 de novembro, ofícios do STJ encaminhados à Receita e à Polícia Federal pediam "atendimento especial para o desembarque" de Wanda Direito, mulher do ministro do STF. Ela vinha de Londres, no voo 0249 da British Airlines que pousou no Rio na noite de 27 de novembro, exatos 28 dias depois da assinatura da resolução que limitava o serviço aos magistrados do STJ. Na semana passada, um colega de Direito no STF revelou à ISTOÉ que ele tem insistido para que o Supremo monte estruturas de apoio no Rio e em São Paulo nos moldes das existentes no STJ.

Os documentos agora revelados por ISTOÉ também comprovam privilégios concedidos a parentes e amigos do ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça. Em 1º de novembro do ano passado, portanto depois da determinação de Asfor Rocha, a filha do ministro, Mariana Fux, e a juíza federal Débora Blaishman desembarcaram do voo 8085, da TAM, procedente de Paris. Ofícios do STJ encaminhados à Receita Federal, à Polícia Federal, à Infraero e à TAM, em 31 de outubro, solicitam que ambas tenham "atendimento especial" no desembarque.

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Mudança de classe – O cidadão comum, que paga religiosamente seus impostos, precisa amargar horas e horas nos saguões dos aeroportos em uma rotina que passa por enormes filas de check-in, revistas de agentes da Polícia Federal e inspeções da alfândega. Mas os parentes e amigos dos ministros Direito e Fux não só passam ao largo desse ritual incômodo como ganham até a oportunidade de mudar a classe da sua passagem, o que no jargão das companhias aéreas se chama de "upgrade".

No dia 9 de dezembro do ano passado, por exemplo, o representante do STJ no Rio cita Luiz Fux para pedir os privilégios costumeiros a uma amiga da filha do ministro. Assim, tanto a Polícia Federal quanto a Infraero recebem a solicitação de "atendimento especial" para o embarque da juíza Débora Blaishman, amiga de Mariana Fux. Mas o STJ também encaminhou o ofício 116/08. Ele foi destinado ao gerente da American Airlines no aeroporto Antônio Carlos Jobim, Herlichy Bastos. No documento, o então chefe da representação do tribunal no Rio de Janeiro solicita que "seja providenciado ‘special service’, ‘upgrade’ e acesso à sala VIP da companhia" para a amiga da filha do ministro. No dia seguinte, 10 de dezembro, a juíza Débora Blaishman embarcou às 23h35 no voo 0990 da American Airlines, com destino a Miami.

O "atendimento especial" pedido em dezembro do ano passado para a amiga da família Fux atenta contra a norma administrativa do próprio STJ. Mas a solicitação de "upgrade e acesso à sala VIP" endereçada à companhia aérea pode vir a gerar questionamentos na hora do julgamento de diversos processos no STJ. Consulta feita no site do tribunal onde Fux é ministro mostra que a American Airlines é parte em 178 ações.

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Em 3 de dezembro de 2008, o gerente da Air France no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, Antônio Jorge Assunção, recebeu o ofício 112/08 do STJ. No documento, é solicitado que Carlos Gustavo Vianna Direito, filho do ministro do STF, e a juíza Daniella Alvarez Prado tenham acesso à sala VIP da companhia aérea, "atendimento especial e check-in com assento no up deck" do voo 0447 com destino a Paris. Up deck é a nominação do pavimento superior do Boeing 747 usado na ocasião pela Air France em voos intercontinentais. Segundo um funcionário da companhia, era lá que ficava a primeira classe. Em valores atuais, uma passagem Rio-Paris-Rio varia de R$ 3.800 a R$ 6.200 na classe econômica, custa cerca de R$ 9.000 na executiva e R$ 19.600 na primeira classe. A Air France, segundo informação contida nos sites dos tribunais, é parte em 111 processos no STJ e em 50 no Supremo Tribunal Federal. Três deles encontramse sob a responsabilidade do ministro Direito, cujo nome consta no ofício 112/08, expedido depois da entrada em vigor da norma do presidente Cesar Asfor Rocha, limitando este privilégio apenas aos ministros do STJ e suas esposas. Na tarde da quarta-feira, 29 de abril, Istoé entrou em contato com o gabinete de Direito e também com a assessoria de imprensa do STF, mas não conseguiu ouvir o ministro. "Não era coisa específica minha, era coisa do Tribunal. Talvez fosse derivada do relacionamento do chefe da representação do STJ no Rio com os funcionários do aeroporto", disse o ministro Fux referindo- se a Moretzsohn.

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"ATENDIMENTO ESPECIAL " Ofício do STJ pediu à Receita, à PF e à Infraero para facilitar o trânsito de Wanda, mulher de Direito, que chegava de Londres

Durante a ditadura militar, Carlos Alberto Direito ocupou a chefia de gabinete do ministro da Educação, Nei Braga. No governo Sarney, foi presidente da Casa da Moeda do Brasil. Chegou a desembargador no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por indicação do ex-governador Moreira Franco e depois foi para o STJ durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 28 de agosto de 2007, já na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, Direito foi escolhido para a vaga de Sepúlveda Pertence no Supremo Tribunal Federal. Ao ser sabatinado para a mais alta corte de Justiça do País, ele passou pelo constrangimento de ouvir uma pergunta do falecido senador Jefferson Peres (PDT-AM) sobre um episódio antigo, que envolvia seu filho.

Direito participou no STJ da votação de um processo milionário contra a Petrobras, em que o filho Carlos Gustavo atuou como estagiário do escritório que representava a parte contrária à estatal. A ação tinha sido movida pela empresa Porto Seguro e a Petrobras chegou a ser condenada a indenizar a seguradora em US$ 3,4 bilhões e a pagar US$ 681 milhões para o escritório que representou a Porto Seguro e no qual trabalhava o filho do ministro. Emocionado, Direito disse aos senadores que o julgamento fora anulado no STJ quando se tornou pública a participação de seu filho no processo. "Toda a minha vida foi dedicada a isso: à honra e à dignidade", disse o magistrado no Senado.

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Os documentos do Superior Tribunal de Justiça relacionando os privilégios concedidos aos parentes e amigos dos ministros das mais altas cortes do País são de 2008. No entanto, um ministro do STF ouvido na última semana por ISTOÉ admite que esses benefícios possam ser bem maiores do que os até agora revelados.

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Embora os dados relativos ao uso do dinheiro público no Poder Judiciário não sejam tão transparentes quanto os do Legislativo e do Executivo, é possível afirmar que as despesas com passagens aéreas vêm aumentando. Segundo dados levantados pela assessoria técnica do PSDB no sistema que registra todos os gastos públicos do País, o Siafi, o Judiciário gastou, no primeiro trimestre do ano passado, R$ 1,9 milhão com passagens aéreas. Entre janeiro e março deste ano o gasto foi de R$ 2,6 milhões, um aumento de 37,1%.

Os 17 ofícios com pedidos de privilégios no embarque e desembarque de voos internacionais para os familiares e amigos dos ministros Direito e Fux foram assinados por Wagner Cristiano Moretzsohn, que mantinha como auxiliares cinco PMs terceirizados na representação do STJ. No início desse ano, depois de uma sindicância, ele foi afastado do cargo, por determinação do ministro Cesar Asfor Rocha. Os motivos do afastamento não foram revelados, mas denúncias encaminhadas ao STJ o acusam de usar indevidamente carros oficiais, bem como superfaturar o pagamento de manutenção da frota e valores pagos para viagens internacionais. ISTOÉ procurou Moretzsohn, mas ninguém respondia no seu telefone celular.

Também foi constatado pela equipe de Asfor Rocha que as relações de Moretzsohn não são compatíveis com o que se espera de um funcionário importante de uma das mais altas cortes da Justiça brasileira. Policial militar do Rio de Janeiro, Moretzsohn era bastante próximo do ex-deputado Álvaro Lins, ex-chefe de polícia do Estado. Atualmente preso no Complexo Penitenciário de Bangu, Lins foi acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando através do Aeroporto Antônio Carlos Jobim e formação de quadrilha.


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