Para manter a saúde e o bem-estar, a Organização Mundial da Saúde (OMS) é inflexível. Recomenda aos homens ingerir, no máximo, duas doses diárias de bebida alcoólica, enquanto as mulheres devem se contentar com uma só. Para quem não dá bola para o alerta, a ciência tem uma boa notícia: a cachaça dá menos ressaca do que outros destilados, como o uísque. Quando os limites do bom senso forem sumariamente ultrapassados, a medicina reserva preciosas dicas para amenizar a dor de cabeça, a náusea e o gosto de cabo de guarda-chuva no dia seguinte.

“A cachaça tem, em média, metade dos aldeídos do uísque”, afirma Douglas Franco, coordenador do laboratório químico da aguardente na Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. Publicada na revista Pesquisa Fapesp, a descoberta é importante porque essas são substâncias parcialmente responsáveis pelos desagradáveis sintomas da ressaca. Os aldeídos fazem parte dos mais de 300 compostos químicos da bebida, além da água e do etanol, que correspondem a 98% da composição da aguardente. São esses compostos que conferem cor, sabor e odor à bebida.

Quando se ultrapassam os limites e a ressaca é inevitável, a solução é aplicar velhas receitas. A forma mais eficaz de amenizar os efeitos da bebedeira é intercalar bebidas alcoólicas e não alcoólicas. O velho truque de alternar uma taça de vinho com outra de água ajuda a aplacar a desidratação e a sensação de boca seca no dia seguinte.

“Sempre é bom beber devagar e ingerir bebidas com menor concentração alcoólica”, explica Maria Lúcia Formigoni, da Universidade Federal de São Paulo. Os amantes da bebida podem não gostar, mas o melhor conselho é a moderação. A velha crença de que bebida boa não dá ressaca não passa de mito. O que existe é uma diferença no processo de fabricação e na forma de ingestão. Quanto mais desenvolvida a técnica de produção, mais pura e cara a bebida, ao passo que aquela produzida em fundo de quintal terá mais impurezas. Ambas, porém, provocam ressaca. “O que muda é o jeito de encarar a bebida. Um vinho caro merece ser saboreado devagar e por isso as pessoas bebem menos. Quem toma vinho de garrafão em geral quer ficar bêbado”, diz Maria Lúcia.

A pesquisa da USP vem em boa hora. Até há pouco tempo considerada popular em demasia, a cachaça passa por um momento de valorização e rende US$ 500 milhões ao ano. Segundo o Instituto Brasileiro de Cachaça de Alambique, do 1,3 bilhão de litros de aguardente produzidos ao ano, um bilhão é cachaça industrial, feita em destilarias, e 300 milhões são fabricados por um exército de 30 mil produtores de pequenos alambiques. O objetivo da pesquisa é estudar a composição da cachaça para melhorar sua qualidade e conquistar o mercado internacional. Se em 2002 foram exportados 14,8 milhões de litros de pinga, em 2003 a meta é ampliar em um terço a exportação, para 20 milhões de litros.

Para cativar os amantes do álcool, a sofisticação da produção nacional chegou a tal ponto que o País é o primeiro a fabricar aguardente de cana-de-açúcar seguindo rituais judaicos de higiene, conhecidos como kasher. Na prática, o processo é como um certificado de qualidade semelhante ao ISO 9000, já que o ritual judaico é reconhecido por eliminar o rastro de impurezas.