Num tempo em que a velhice era algo inimaginável e os amigos se reuniam para aproveitar a vida, se divertir na companhia de gente alegre e barulhenta, ninguém pensava que seus amantes iriam se transformar em viúvos e os sobreviventes poderiam ficar ligeiramente balofos. Noites insones (Arx, 160 págs., R$ 24), da americana Elizabeth Hardwick, repassa por estas situações ao polir as memórias de “uma velha mulher alquebrada em uma clínica geriátrica esquálida”. E é no turbilhão do passado feérico, transformado e retorcido pelos registros das tentativas de aborto, pelo desconforto moral, pela pobreza e pelos ilícitos, que acontecem citações de grandes escritores, dando ao livro adensamento e charme especial. Flaubert, por exemplo, escreve numa carta que jamais pode ver um berço sem pensar numa sepultura. E Nietzsche ecoa: “A vergonha é criativa.” Também há Shakespeare, Borges, Ibsen, Goethe, Proust…

Noites insones foi publicado pela primeira vez em 1979 nos Estados Unidos. Lá, o livro assinado por uma respeitável crítica literária do The New York Review of Books ganhou status de obra madura. Apesar da tristeza embutida nas memórias, a obra tem fôlego e se dá ao luxo de acreditar que, no futuro, tudo será diferente e melhor. Como disse um personagem ao fitar um novo par de olhos: “Desta vez, sim, serei feliz.”