Duas gerações de pessoas tristes, ligadas pela sina da obsessão, são o eixo principal do mais recente livro do escritor peruano Mario Vargas Llosa, O paraíso na outra esquina (Arx, 496 págs., R$ 56). O título faz referência a um joguinho popular entre as crianças francesas, no qual, com os olhos vendados, um dos participantes tenta localizar “o paraíso” enquanto os demais procuram desviá-lo do rumo certo. Na brincadeira, o paraíso está sempre “na outra esquina”, igual aos personagens de Vargas Llosa, que vêm a ser ninguém menos que o polêmico pintor impressionista francês Paul Gauguin e sua avó, a revolucionária Flora Tristán.

Contada em dois momentos paralelos do livro, a história dos dois – romanceada a partir de verdadeiros registros históricos que o autor levou décadas para reunir – arrebata pela capacidade de mostrar a saga de infelicidade que percorre o destino dos protagonistas. Não é um livro irônico e fácil, como o anterior A festa do bode. O paraíso na outra esquina deixa um gosto amargo na boca do leitor e um grito silencioso de angústia no peito dos que ainda sonham com as utopias.

Feminista e marxista, Flora Tristán dedicou sua vida a lutar contra a burguesia e os capitalistas, que a alijaram de todos os direitos desde sua mais tenra infância. Filha bastarda de um herdeiro peruano, ela encontra na família hipócrita e no casamento infeliz e trágico o combustível fundamental para seu discurso incendiário. Flora exerce o papel messiânico talhado por ela própria. E com a mesma determinação com que seu neto, Paul Gauguin, voltaria sua fúria criativa para as cores e luzes das ilhas dos Mares do Sul.

Filho da triste Aline, que nunca conheceu o amor da mãe revolucionária, Gauguin é o artista inconformado e rejeitado pelos seus pares franceses por conta dos excessos praticados na busca da vida “selvagem” em suas viagens. O pintor sofre com as dores de uma sífilis galopante, mas principalmente com a incompreensão dos homens e mulheres que deseja manter no isolamento do sonho do paraíso. Gauguin acredita poder reviver os matizes deste sonho ao pintar telas que subvertem toda a cultura imposta. Através delas, pretende retomar a fé e o pecado originais. A obsessão desvairada reproduz, com as cores caricatas dos trópicos, a força motriz que movia sua avó, a mulher que optou por abandonar o amor para não deixar que nada, nem ninguém, desviasse sua atenção um mínimo sequer da causa a que se propunha. E é nesse padrão de desespero dentro da miséria que as duas almas se encontram, sem jamais se consolarem.