Em cinco dias de um tour por cinco países, o presidente americano George W. Bush foi verificar in loco os cinco séculos de injustiças, fome, doenças e violência da África. Que ninguém o imagine à la Marlow, o personagem do escritor Joseph Conrad (1857-1924) no livro O coração das trevas. Nada de descer rio em busca dos horrores do interior do Congo. Pelo Congo – onde estimados três milhões de pessoas morreram nas guerras que sucederam a queda do ex-ditador Mobutu Sese Seko, em 1997 –, W. Bush passará apenas por via aérea. A excursão ao continente negro envolve somente os países que mais dão certo, numa região do globo onde quase tudo dá errado. As escalas escolhidas foram: Senegal, Nigéria, Uganda, Botsuana e África do Sul. Uma viagem que tem mais a ver com benemerência e oportunidades propagandistas. Apesar da fria recepção, principalmente no Senegal e na África do Sul, o presidente americano vai novamente prometer os US$ 15 bilhões em ajuda para o combate da Aids, doença que aflige 30 milhões de africanos. Uma promessa, diga-se, que ainda depende da boa vontade do Congresso, em Washington, que pode ou não aprovar o pacote financeiro completo. Da agenda também constaram estreitamento de relações com as nações da região – especialmente aquelas com largas populações muçulmanas e que são vistas como paraísos de terroristas –, negociações sobre os casos da guerra civil da Libéria, para onde o presidente já acenou com o envio de tropas americanas de paz durante a esperada troca de governo.

A iniciativa de Bush no combate à Aids merece mais elogios do que ceticismo cínico. No último discurso sobre o Estado da União, o presidente americano surpreendeu até mesmo seus críticos com o anúncio do investimento de US$ 15 bilhões em auxílio para tratamento
e educação sobre a epidemia na África. “Somente em educação, temos na África do Sul um exemplo vexaminoso e simbólico do escopo do problema. É crença generalizada entre os homens infectados nos bolsões mais pobres do país que a relação sexual com meninas virgens é capaz
de curar a doença. Em virtude dessa barbaridade, os estupros de mocinhas e até infantes se transformou em outra epidemia”, conta o professor-sociólogo Joseph Brown, autor do livro África, Aids e Genocídio. Não existe um plano fixo para o gasto dos US$ 15 bilhões, mas já se sabe que os cofres só vão ser abertos para organizações amplamente monitoradas pelo governo americano. “Do contrário, o dinheiro sumiria na corrupção também endêmica do continente”, diz o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleishman.

Uma das opções aplaudidas por organizações de saúde é o financiamento de clínicas nos vários países, que cuidam de toda a família de vítimas do HIV. “Não apenas serão ministrados os coquetéis de medicamentos àqueles que estão infectados, como também haverá o acompanhamento do tratamento e as consultorias psicológicas e educativas de todos os familiares do doente”, explica a dra. Margareth Pritchard, do Departamento de Saúde do governo dos EUA. “Em alguns países, esses procedimentos já estão sendo aplicados com sucesso. Em Uganda, por exemplo, 40% dos infectados são beneficiados e têm aumentadas suas chances de sobrevida”, diz Margareth.

Bush, apesar de suas boas intenções, também tenta apelar para os constituintes negros que lhe deram apenas 10% de seus votos nas últimas eleições. “A iniciativa de combate à Aids me parece sincera por parte do presidente. Mas os problemas da África vão muito além dessa epidemia. As situações no Congo, Ruanda, Angola, Moçambique, Serra Leoa e Libéria, apenas para citar algumas das mais urgentes, não são apenas questões consideradas de interesse para a segurança nacional, pelos eleitores negros americanos, mas também de enorme importância humanitária”, disse a ISTOÉ Charles Hangel, deputado democrata do Harlem, em Nova York.

Para a Libéria, onde o ditador Charles Taylor ainda permanecia no cargo quando Bush aterrissou na África, o Pentágono enviou assessores militares e civis para avaliar a situação local. O presidente americano acenou com o envio de tropas de paz para a Monróvia, mas só enviará forças militares de volta à África depois desta avaliação. Washington se lembra com amargor de quando outro Bush, pai, mandou tropas para a Somália, em 1992, e seu sucessor teve de retirá-las às pressas depois que 18 soldados morreram em combates ferozes em Mogadíscio.

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