O indiano Kailash Satyarthi é um obstinado. Desde 1997, ele dedica sua vida a um único objetivo: erradicar no mundo o trabalho infantil. Criador da Marcha Global contra o Trabalho Infantil, um movimento supranacional, ele esteve mais uma vez no Brasil, na semana passada, para fazer o que chama de movimentação social e de motivação dos governos e da sociedade civil em torno da erradicação do trabalho infantil. Satyarthi considera que projetos como a Bolsa-Escola são soluções criativas que contribuem para retirar as crianças do trabalho infantil e das ruas sem prejudicar a renda familiar. Diz que leis mais rigorosas e, principalmente, políticas de educação obrigatória, gratuita e de qualidade, são a chave para enfrentar o problema. Ele garante que atacar o bolso das empresas que usam mão-de-obra infantil é outra maneira eficiente de lutar. “Quando se divulgam os lucros absurdos que multinacionais têm com o trabalho infantil, a reação da opinião pública é imediata”, comenta. Como santo de casa não faz milagre, Satyarthi só lamenta que seu país, a Índia, detenha um triste recorde de 60 milhões de crianças trabalhando. O que ele falou a ISTOÉ:

ISTOÉ – Como o sr. avalia a atuação da Marcha Global?
Kailash Satyarthi –
O mais importante é que, nesses anos, já conseguimos, através da mobilização mundial, aprovar duas convenções na Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma estabelecendo a idade mínima de 15 anos para uma pessoa começar a trabalhar e outra definindo as piores formas de trabalho infantil. O trabalho infantil hoje é um tema de grande gravidade, e a Marcha Global, como um movimento permanente, tem contribuído para isso.

ISTOÉ – Leis e convenções internacionais já existem. Mas o trabalho infantil continua. O que fazer?
Satyarthi –
A existência de uma lei, e quanto mais rigorosa melhor, é o primeiro passo. A sociedade civil tem que ter um papel cada vez mais forte, cobrando dos governos a implantação dessas leis.

ISTOÉ – Como é a situação no seu país?
Satyarthi –
É lamentável. Temos pelo menos 60 milhões de crianças
no trabalho infantil (no Brasil estima-se alguma coisa em torno de dois milhões) e em todos os setores, até quebrando pedras. É uma questão difícil, que demanda esforço redobrado, mas vamos conseguir mudar o quadro aos poucos.

ISTOÉ – Essas indústrias são apenas indianas ou há
multinacionais envolvidas?
Satyarthi –
O mais grave é a situação das multinacionais. A Unilever,
a Monsanto, entre outras, empregam crianças na colheita do algodão, pagam 12 vezes menos que aos adultos e têm lucros extraordinários.
O modo inicial de combater isso é exatamente mostrar a todos, na
Índia e principalmente nos países de origem dessas empresas, que
o uso do trabalho infantil é uma das razões de seus lucros. Depois,
é preciso cobrar dos governos a implantação das leis e fazer a reabilitação dessas crianças, com os custos sendo pagos pelas
empresas que as empregavam.

ISTOÉ – Há casos bem-sucedidos de pressão sobre multinacionais que usavam trabalho infantil?
Satyarthi –
O caso de Nike, Adidas e Reebok é emblemático. Quando o mundo ficou sabendo que elas usavam crianças, foi um escândalo. A pressão mundial deu certo e elas tiveram de rever suas políticas. Mas ainda é preciso manter vigilância cerrada sobre as empresas terceirizadas pelos grandes grupos.