As lan houses proliferam, causam preocupação a pais e professores, que pedem uma lei para regularizar essas casas A bola de gude ficou para trás há muito tempo. O pião nemsequer é lembrado. Até fliperama caiu em desuso. A febre agora é freqüentar lan houses – casas de jogos eletrônicos em rede. A mania, que chegou ao País há cinco anos, é o lazer preferido de dez entre dez jovens. São mais de 2.500 espalhadas pelas principais capitais. Com equipamentos de ponta e espaços cada vez maiores, as lans viraram o negócio da moda. A rede Monkey, pioneira do ramo e com mais de 50 casas no Brasil, vai inaugurar até o final de julho a maior lan da América Latina. A Mega Monkey terá 200 computadores distribuídos em quatro andares de um prédio em Santana, zona norte de São Paulo.

Outro grande empreendimento foi inaugurado em junho, em Curitiba (PR). A Mega Cyber Center ocupa um prédio de três andares, com 160 computadores de última geração. O espaço ainda dispõe de lounge para leitura, um internetcafé e 19 computadores com tela plana. Sem falar nas salas para as famosas lans parties ou corujões – festas nas quais os amigos se reúnem para jogar durante um final de semana inteiro. “Criamos até um sistema que permite aos pais vigiarem os filhos de casa. Eles fazem um cadastro conosco e recebem uma senha para acessar as salas de jogos que estarão conectadas à internet. De lá, é possível espiar o filho”, diz o advogado Juarez Fonseca, dono da Mega, que resolveu aposentar a gravata para se dedicar ao negócio.

Para se ter uma idéia de como este é o negócio do momento, até
mesmo a Blockbuster, rede de franquia americana que atua no ramo
de locação de vídeos e DVDs, começa a dar seus primeiros passos
rumo aos jogos. Instalou uma pequena lan numa das suas filiais de
São Paulo. E, ao que tudo indica, está dando certo, o que promete
nova dor de cabeça aos pais. É que muitos deles não sabem mais o
que fazer para controlar as idas dos filhos às lans. Sem dúvida, jogos cheios de ação muitas vezes são mais atraentes do que vídeos. Em comparação a livros e lousas, então…

Raciocínio – Não que os jogos virtuais sejam um problema. Estudos mostram que sua prática estimula a criatividade, a capacidade de articulação, de resolver situações de conflito, além de desenvolver o raciocínio. Tudo, claro, sem exagero. O problema é que ainda não há nenhuma lei que regulamente o funcionamento dessas lans. As normas praticadas por algumas delas são iniciativas próprias, mas não são fiscalizadas. Qualquer criança pode, por exemplo, jogar o Counter Strike, um dos mais violentos e também o preferido da maioria.

Segundo especialistas, o jogo, em si, não torna uma criança violenta, mas representa risco para aquelas com tendência à agressividade. “Os conteúdos violentos tornam-se mais ativos na memória da criança e isso pode interferir quando ela entra em conflito com outra”, alerta a psicóloga Maria Isabel Leme, da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Alguns pais, entretanto, não vêem as lans como inimigas. Ao contrário. Com limite de horário, muitos deixam os meninos nessas casas quando precisam sair. Esse recurso é utilizado pelo menos duas vezes por mês pela advogada paulista Marisa Sândalo e pelo marido, o consultor técnico Paulo César Jacomini, que deixa o filho, Gustavo Sândalo Jacomini, 12 anos, por algumas horas em uma lan em Santo André, no ABC paulista. “Faço isso porque sei que o ambiente lá é seguro e saudável. Não acho que isso vá lhe trazer algum prejuízo. Deixo-o sempre na companhia de algum amigo”, justifica a advogada.

Reclamações – Mas nem todo mundo concorda. Para alguns especialistas, as lans deixaram de ser vistas como um mero entretenimento. Depois de receber reclamações de pais e professores chamando a atenção para a abertura dessas casas muito próximos às escolas, o vereador William Woo (PSDB), de São Paulo, criou um projeto de lei para regulamentar a atividade. O assunto foi tema de um debate público na Câmara Municipal no mês passado. Professores, psicólogos, educadores, donos das lans e um promotor de justiça participaram do debate. O objetivo era recolher sugestões que pudessem ser incorporadas à nova lei.

O tema preocupa. “Em menos de um ano, duas foram abertas a menos de 50 metros da escola. Muitos alunos têm faltado às aulas para jogar. A escola alertou os pais, mas, mesmo assim, algumas famílias estão tendo problemas com isso”, diz a professora Ângela Antunes, do departamento de orientação educacional do colégio Bandeirantes, que tem 2800 alunos. O Ministério da Justiça, afirma, porém, que todos os jogos passam por uma classificação, que determina a faixa etária de cada um, antes de irem para o mercado e que cabe aos donos de lans proibir que menores tenham acesso a eles.

Para o promotor da Infância e Juventude, Francismar Lamenza, a fiscalização por parte dos pais é importante, mas não exclui a responsabilidade do Estado. “Estabelecer normas abrangentes e minuciosas que garantam proteção integral aos jovens é uma necessidade urgente”, afirma Lamenza. Segundo ele, o Ministério Público Federal solicitou ao Ministério da Justiça a proibição do jogo Counter Strike, mas o pedido ainda está sendo analisado.

Inclusão – Alexander Hlebanja, presidente da Associação Brasileira das Lans Houses (ABLH), afirma, entretanto, que o problema não é tão grave quanto se apresenta. Para ele, um dos objetivos das lans é promover a inclusão digital, já que oferece curso de acesso à internet. “São os pais quem devem impor limites nos filhos. Fechar uma lan em frente a escola não resolve o caso de quem é viciado”, afirma Hlebanja, que também atua no ramo. Segundo ele, a abertura dessas casas em locais próximos às escolas acontece porque é onde seu público-alvo está concentrado.

Enquanto a lei não chega, a recomendação é ficar atento. “Queda no rendimento escolar, sono ou apatia podem denunciar algum problema. É importante que a escola trabalhe em conjunto com os pais, oferecendo alternativas de atividades em horários extra-classe ou cursos livres”, sugere a psicóloga Maria Isabel, da Universidade de São Paulo. A opinião é compartilhada pela psiquiatra Daniela Sabatini Lobo, do ambulatório de jogo patológico do Hospital das Clínicas de São Paulo. “A família deve oferecer alternativas de lazer para que a criança não fique limitada a esses jogos. Não existe estudo mostrando que a preferência por jogos virtuais seja um problema de saúde, como é o caso de jogos de azar. Mas merece atenção”, diz ela. “Já recebemos telefonemas de pais preocupados porque não sabem como lidar com essa situação em casa. A recomendação é procurar um psicólogo”, alerta ela.