E Fernando Gabeira teve enfim seu dia de Severino Cavalcanti. Escorregou como todo moralista: vítima da própria hipocrisia. Ao ser flagrado patrocinando um tour europeu de uma de suas filhas com a verba aérea dos parlamentares, ele ainda quis se safar fazendo um mea-culpa e liderando o chamado "pacote moralizador" do Congresso. Mas, antes mesmo que subisse à tribuna para pedir desculpas, o presidente da Casa, Michel Temer, já havia anunciado as novas regras para a emissão de passagens áreas. Devem ser usadas só no Brasil e apenas pelos parlamentares – curioso é que coisas tão elementares necessitem de regras escritas. Seja como for, Gabeira não só despencou do pedestal como também não pôde faturar o crédito político da "moralização".

O lamentável é que isso tenha acontecido com um dos mais notáveis parlamentares brasileiros. Gabeira é um político que tem um belo passado, como militante que lutou contra a ditadura e depois refletiu corajosamente sobre erros da esquerda, no clássico O que é isso, companheiro? Gabeira também carrega bandeiras modernas, como a ecologia, a defesa das minorias e a descriminalização das drogas leves. Mas seu grande erro foi querer se transformar em reserva moral do Congresso, um papel que ele começou a desempenhar em 2005, ao bater boca com o ex-deputado Severino Cavalcanti. Depois disso, o deputado verde esteve sempre disponível para condenar e censurar os pecados alheios, tal qual um Catão da Roma Antiga.

Gabeira talvez imaginasse que o discurso moralista, ou udenista, pudesse lhe render benefícios políticos. Mas, nas últimas eleições para a Prefeitura do Rio, ele foi derrotado pelo peemedebista Eduardo Paes porque o eleitor brasileiro, já vacinado, talvez intua que os políticos são sempre parecidos nos seus vícios – e não importa se o desvio esteja numa simples passagem ou num jatinho. Embora seja um herói da esquerda, ou de parte dela, Gabeira foi se aproximando da direita ao longo dos anos. No Rio, uniu-se ao DEM, de Cesar Maia, e era também um candidato vital no projeto de eleger José Serra em 2010. Se tivesse vencido e tido a oportunidade de ocupar um cargo executivo, é possível que dentro de alguns anos o Brasil estivesse debatendo pecados muito maiores do que um simples bilhete aéreo.