O estádio de futebol no Brasil sempre foi, a meu ver, um espaço utópico do convívio social e racial. Pobres e ricos, brancos e pretos, todos ali no mesmo território, ainda que apartados por setores e preços de ingressos desiguais. Não deixa de ser um milagre haver um espaço no mundo de hoje, tão estratificado como é, em que, mesmo resguardada uma certa distância, pessoas de "castas" tão diferentes convivam (devo estar sendo romântico demais, paciência!).

A desmedida e crescente violência das torcidas organizadas ajudou a apartar um pouco mais as classes e os torcedores e a espantar o cidadão comum, amante do futebol, com suas famílias, dos estádios. E o sonho de convívio pacífico que o futebol nos faz alimentar (os românticos pelo menos) foi ficando mais distante. Não culpo quem teme ir aos jogos de seu time, pois esse temor, sabemos, não é infundado. Nem quem queira setores privilegiados. Na última vez em que fui para a arquibancada, junto a um grupo de amigos, presenciei uma briga a metros de onde estava com meus filhos. E, é bom que se diga, uma briga entre torcedores do mesmo time, o meu. Lamentável!

Quando eu ia menino aos jogos do meu querido "Bode Gregório", o glorioso Maranhão Atlético Clube, no estádio Nhozinho Santos, me encantava ver as torcidas misturadas, sem divisão de rivais. Óbvio que vez ou outra o pau comia, mas nada que chegasse ao extremo das brigas de facções que hoje imperam em dias de jogos, especialmente em São Paulo, e que não raro culminam em morte. Numa cidade tropical como São Luís, a separação mais curiosa que havia era entre as arquibancadas, pitorescamente divididas em "arquibancada sol" e "arquibancada sombra".

Por conta disso, a primeira vez em que pisei num estádio paulista, levei um susto danado ao ver as torcidas separadas e sob vigília cerrada da polícia e uma animosidade que eu jamais havia presenciado no ambiente de um estádio de futebol. Também já presenciei belas cenas, como da vez em que vi, no Parque Antártica, uma família torcendo em harmonia – pai e filha vestidos com o verde do Palmeiras, mãe e filho santistas, devidamente uniformizados, lado a lado, vibrando apaixonadamente com os gols de seus times.

Este meu relato deve-se à notícia que li recentemente sobre alguns clubes que começam a construir áreas vips nos estádios, incluindo aí a mítica Vila Belmiro, do meu amado Santos Futebol Clube, onde há um projeto, já em andamento, que fará a geral dar lugar ao oásis dos vips. Sou capaz de entender as razões de se fazer uma área com conforto e segurança para um tipo específico de público, mais exigente e menos afeito a celebrações populares.

No entanto, lamento, não só a hierarquização, mas um apartheid cada vez maior forjado entre as classes num dos últimos redutos de convivência social no Brasil (shoppings não contam), algo talvez comparável apenas aos parques paulistanos, ao calçadão de Copacabana e às praias (se bem que até algumas praias hoje são setorizadas).

É a infame "cultura vip" adentrando espaços onde de certa forma sempre esteve – só que de modo mais tímido e menos ostensivo -, fazendo aumentar assim a distância entre os "diferentes". Distância essa que tornará o mundo cada vez mais partido. E menos bonito. Tudo para satisfazer a sanha dos que se julgam "diferenciados". Triste mundo.