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CORTES Insólitos
La Cantate du Narcisse, de Laure Albin-Guillot, mostra a radicalidade das pesquisas estéticas do entre-guerras

Nos anos 1930, o filósofo alemão Walter Benjamin se refugiou em Paris, declarando-a "capital do século XIX". Como Benjamin, artistas e pensadores de toda a Europa encontraram asilo político na Paris do entreguerras, atraídos pela liberdade, pela modernidade e pela prosperidade que a cidade das luzes tinha a oferecer. Capital do mundo ocidental até meados do século XX, Paris foi fonte de inspiração para fotógrafos franceses, alemães, húngaros, russos, belgas e americanos, e figurou um sem-fim de ensaios documentais. Mas, além de servir-lhes como uma modelo inesgotável, a cidade propiciou-lhes condições para livres experimentações técnicas e formais, levando à formação de um novo olhar fotográfico sobre o mundo, que hoje pode ser contemplado nas mostras Paris capitale photographique, no Jeu de Paume – Hôtel de Sully, em Paris, e em Olhar e fingir: fotografias da Coleção Auer, no MAM SP.

Paris capitale photographique é uma seleção da coleção do historiador e curador Christian Bouqueret. "Os conteúdos de minha coleção revelam muito de minha fascinação pela modernidade, pelo estranhamento e pela atenção aos detalhes mais insignificantes", afirma o colecionador. De fato, sua coleção percorre Paris do plano geral ao detalhe: vai dos grandes temas – a torre Eiffel, a boemia, a fotogenia espontânea das ruas, captadas por André Kertész, Brassaï, Germaine Krull – às suas particularidades mais insólitas, nas estranhas composições com objetos cotidianos.

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SURREAL No MAM-SP,
Main aux yeux, de Pierre Jahan

Cobre seus personagens anônimos e célebres – como Walter Benjamin e Jean Cocteau, que ganham enquadramentos ousados de Berenice Abbot, Laure Albin-Guillot, Gisele Freund -, e sua "vida interior" – revelada na nudez de Assia, modelo preferida da época, clicada por Man Ray, Emmanel Sougez e Dora Maar.

Em São Paulo, os curadores Éder Chiodetto e Elis Jasmin também enfocam a fotografia experimental em sua seleção da coleção do casal francês Michel e Michele Auer, considerada a maior coleção particular de fotografias do mundo, com 50 mil imagens, 500 câmeras fotográficas e 21 mil livros. Aqui, o tema não se limita a Paris. "A ideia foi mostrar o lado B da história da fotografia

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IMPREVISÍVEL
Man Ray promovia encontros inesperados entre objetos

Recontá-la não pelo lado oficial, mas pela marginalidade, pelo uso da fotografia não apenas para documentar, mas para inventar um mundo paralelo, o que possibilitou elevar a fotografia de documento às artes plásticas", diz o curador. Para contar essa outra história, optou-se por fotógrafos que relacionaram-se com as propostas estéticas do surrealismo, da experimentação formal e da performance. Assim, uma única imagem do fotojornalista Henri-Cartier Bresson figura ao lado de enquadramentos obtusos, solarizações e outros jogos formais tão radicais quanto as Fotoformas, do brasileiro Geraldo de Barros.

Colaborou Fernanda Assef

 

CIRCUITOS NO MUNDO

Uma história jurídica e ética da fotografia

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controverses – Photographies á histoires/ Bibliothèque nationale de france, Paris/ até 24/5

A fotografia de um jovem casal beijando-se diante do hôtel de Ville, o edifício da Prefeitura de Paris, é um dos cartões-postais mais consumidos nas lojas de souvenirs parisienses, mas é também uma das imagens que mais problemas e processos de indenização renderam a um fotógrafo. além de objeto de comercialização intensiva, de 1950 até hoje, le baiser de l’hôtel de Ville, do fotógrafo francês robert doisneau, está hoje em exposição na Bibliothèque nationale de france, em Paris, ao lado de fotografias de steven Meisel, Oliviero toscani, alberto Korda, robert Capa, Man ray, lewis Carrol, Marc garanger, entre outros. todas foram fonte de controvérsia e censura e, muitas vezes, acabaram no tribunal.

Resultado de uma pesquisa multidisciplinar realizada pelo curador daniel girardin e o advogado Christian Pirker, a exposição Controverses conta as histórias dos imbróglios jurídicos escondidos atrás das imagens. a polêmica pode ter-se dado tanto no ato da publicação – caso de um outro beijo famoso, desta vez entre um padre e uma freira, na capa da revista united Colors of Benetton – quanto da comercialização – caso da venda controversa da original noire et Blanche, de Man ray – ou da manipulação de imagens – prática de polícias secretas de regimes absolutistas, como o stalinismo, nos anos 1930.

O ato fotográfico em si também pode ser veículo de violência e abuso. essa grave condição é demonstrada no retrato que Marc garanger fez da algeriana Cherid Barkaoun, em 1960. aos 25 anos, em serviço militar na algéria, o jovem garanger se engajou como fotógrafo do regimento. sob ordem militar francesa, fotografou mais de dois mil habitantes do vilarejo de aïn terzine, em sua maioria mulheres, excepcionalmente desprovidas de véus. as fotos exprimem o abuso do estado francês. "a expressão das mulheres era o que mais me impressionava. elas não tinham escolha. tinham obrigação de se deixar fotografar. eu recebia seu olhar à queima-roupa, como primeira testemunha de seu protesto mudo", relatou o fotógrafo