Maior produtora de petróleo do mundo em águas profundas, a Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A) é exemplo de empresa estatal brasileira que deu certo. A companhia, que produz 1,6 milhão de barris de petróleo por dia, fechou o ano passado com um lucro líquido de US$ 2,3 bilhões. Esses números – que dão à estatal brasileira o posto de a terceira maior companhia de petróleo da América Latina – a credenciam também para operar com êxito na Bolsa de Valores de Nova York.

Documentos encontrados pela Promotoria Distrital de Nova York e
pela Polícia Federal do Brasil mostram que a estatal pode ter feito transações nebulosas. Pelo menos uma centena de papéis que apontam a existência de uma possível conta caixa 2 da Petrobras no Bank Of America de Nova York estão sendo analisados. As suspeitas da PF e do Ministério Público dos EUA se devem ao fato de que a conta, que recebia depósito de doleiros por intermédio do Banestado de Nova York, não aparece nos balanços contábeis e nas declarações de imposto de renda da companhia.

No período de 1996 a 1998, a conta no Banestado nova-iorquino
recebeu somente de doleiros paraguaios mais de uma dezena de depósitos que totalizaram cerca de US$ 800 mil. A dinheirada era depositada pela Câmbios Chaco, que lava dinheiro de todo o tipo de criminoso no Paraguai, na conta número 6560925072, aberta em nome
da Petrobras no banco americano. Na papelada, aparece ainda o responsável pelo depósito: uma empreiteira paraguaia identificada
como Dionicio Lovera, Proyecto e Construcciones.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Petrobras informou que a empresa nunca teve conta no Bank of America e tampouco negócios com doleiros e a empreiteira paraguaia. De acordo com a Petrobras, todos os pagamentos referentes a contratos internacionais são creditados na conta da estatal no Banco do Brasil. O argumento da Petrobras pode indicar que uma pessoa pode ter usado o nome da companhia para abrir a conta. Essa tese, no entanto, é totalmente descartada pela Promotoria de Nova York, pelas autoridades da área monetária dos EUA e pelo próprio Bank of America. As autoridades norte-americanas são unânimes em afirmar que a abertura de conta em nome de uma empresa estrangeira ou nacional exige uma série de documentos. O responsável pela conta tem de provar, por exemplo, que tem poderes para administrar os negócios da empresa correntista. De acordo com as mesmas fontes, essas exigências são ainda maiores com as empresas que, a exemplo da Petrobras, operam na Bolsa de Valores. Para as mesmas autoridades, esses dados indicam que a conta da Petrobras foi aberta por funcionários do alto escalão da empresa. “Só não sabemos ainda se a abertura da conta foi um ato isolado de um funcionário graduado qualquer interessado em receber propina ou se foi um ato institucionalizado da própria empresa com o objetivo de manter uma conta caixa 2” disse uma autoridade americana que investiga as operações de lavagem de dinheiro nos EUA por intermédio da agência do Banestado de Nova York.

Ritmo lento – Enquanto as investigações avançam no Ministério Público e na Polícia Federal, na CPI trilham o caminho inverso. Seguindo orientação do PSDB e da base governista, o relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), e o presidente, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), na reunião de quinta-feira 10, deram mostras de que estão tentando retardar as investigações. Com o argumento de que as medidas deveriam ser analisadas pelo departamento jurídico, Mentor evitou a aprovação de um amontoado de requerimentos protocolados pelo deputado Eduardo Valverde (PT-RO), que são indispensáveis para detectar as operações de internação dos cerca de US$ 30 bilhões enviados para o Exterior por intermédio do Banestado.

Em menos de cinco minutos, Mentor e Paes de Barros conseguiram, por exemplo, evitar os pedidos de quebra dos sigilos dos fundos de investimentos que receberam recursos do Banestado na Comissão de Valores Imobiliários (CVM). O MP acredita que esses fundos foram usados para internar o dinheiro das privatizações. As suspeitas se devem ao fato de que boa parte desses fundos são acionistas de empresas telefônicas, privatizadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. De acordo com o laudo pericial da PF, um dos fundos chegou a indicar a origem do dinheiro com nome: Focus Fund Privatization.

Do mesmo modo, Mentor conseguiu também impedir as investigações sobre as empresas Antars Ventures, Antares, Beluga e Hill Trading. Instaladas nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal no Caribe, essas empresas, após receberem recursos por intermédio do Banestado, adquiriram vários imóveis no Brasil. Essas quatro empresas estão ligadas a dois dos principais acusados no esquema das telecomunicações: Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área internacional Banco do Brasil, e seu braço direito na Previ, João Bosco Madeiro da Costa. A Antares no Brasil, um braço da Antars Ventures, está registrada em nome de Ronaldo de Souza, sócio e testa-de-ferro
de Ricardo Sérgio. Segundo documentos apresentados pelo deputado Valverde, Ricardo Sérgio tem procurações para administrar as empresas de Ronaldo, que, em 1998, adquiriram imóveis no Brasil avaliados em
R$ 50 milhões. Já as empresas Beluga e Hill Trading são proprietárias de um apartamento de luxo no Leblon e de uma mansão na Tijuca, no Rio de Janeiro, onde mora João Bosco.

Partindo do pressuposto de que no laudo da PF existe uma infinidade de homônimos, que não são diferenciados pelos CPFs, a CPI somente conseguirá incriminar os culpados se obtiver êxito em duas frentes: a quebra de sigilo das contas que receberam o dinheiro do Banestado no Exterior e o levantamento das operações para trazer de volta os recursos desviados. Os documentos mostram que o dinheiro sujo do Banestado voltou de duas formas: na compra de imóveis e de cotas de empresas no Brasil por offshores (empresas abertas em paraísos fiscais que mantêm o anonimato de seus donos) ou por meio de fundos de investimentos.