Entre as várias informações importantes do Relatório de Desenvolvimento Humano divulgado pela ONU na terça-feira 8, há duas notícias especialmente importantes para o Brasil, uma boa e uma péssima. De positivo, o documento revela que, de 2000 a 2001, a expectativa de vida dos brasileiros passou de 67,6 para 67,8 anos e a taxa de matrículas escolares entre 7 e 14 anos subiu de 92,9% para 95,1%. Graças a esses avanços, o Brasil subiu da 81ª para a 65ª posição num ranking de 175 nações. A péssima notícia é que o País continua atolado
em um problema que compromete todos os outros indicadores: a concentração de riqueza. Pelo índice Gini, o mais usado para medir o
grau de desigualdade na distribuição de riqueza, o Brasil ocupa a sexta pior colocação, superado apenas por paupérrimas nações africanas,
como Namíbia, Botsuana e Serra Leoa. Como o volume de dinheiro
nas mãos dos ricos brasileiros é muito maior do que a riqueza da elite africana, a concentração de renda entre nós é dramática. “O quadro
do Brasil é ainda mais cruel do que o dos africanos”, avalia o antropólogo José Carlos Libânio, assessor para Desenvolvimento Humano da ONU. Enquanto os africanos vivem na pobreza por falta de recursos, os brasileiros geram muita riqueza, que fica nas mãos de uns poucos
e não chega à maioria de pobres.

Bem-estar – Foi justamente a contradição entre o crescimento econômico e a distribuição de riqueza que levou a ONU a adotar o conceito de Desenvolvimento Humano em 1990. Antes, o método de avaliar o progresso de um país exclusivamente pelo crescimento de seu PIB per capita ocultava distorções cruciais, como a má distribuição da riqueza interna. “Nossa questão é saber se a geração de riquezas se transforma em bem-estar para a maioria. Nesse sentido, o Brasil é um excelente parâmetro para uma avaliação assim”, afirma Libânio. Para julgar se uma nação oferece qualidade de vida aos seus cidadãos, a ONU leva em conta três questões principais: é desejável que as pessoas tenham uma vida longa e saudável, educação adequada e renda digna.

Há 13 anos as Nações Unidas estabeleceram as Metas do Milênio, que deverão ser atingidas pelos signatários até 2015. Os itens considerados são igualdade entre gêneros, acesso ao ensino fundamental, diminuição da fome, queda de mortalidade antes dos cinco anos, acesso a água, acesso a saneamento e diminuição da pobreza. Para alcançar o último objetivo, a concentração de renda no Brasil representa um enorme entrave. “Não é fácil mudar essa história de mais de 500 anos em que a elite se apropria da riqueza e poucos ficam com muito. Basta lembrar que, aqui, 10% da população consome 0,7%, enquanto os 10% mais ricos ficam com 48%”, argumenta Libânio.

O economista André Urani foi secretário municipal de Trabalho do Rio de Janeiro, na gestão do prefeito Luiz Paulo Conde, há três anos, e fez com que a cidade fosse a primeira no mundo a ter um relatório próprio de Desenvolvimento Humano. Para ele, a desigualdade na distribuição de renda no Brasil é um dos principais pontos do relatório. “Esse assunto deve estar no centro das discussões para melhorar o Brasil”, diz Urani, secretário-geral do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Mas ele ressalta que o trabalho mostra que o Brasil está avançando, referindo-se à ascensão brasileira no ranking da ONU. Para Urani, o
fato de estarmos avançando em saúde e escolaridade deverá ter como consequência, inclusive, a diminuição da desigualdade. O índice usado no relatório não se refere à qualidade da educação, mas sim à quantidade de alunos na idade entre 7 e 14 anos que se matricularam. “Um trabalho da Unesco mostrou que a qualidade do ensino brasileiro ainda é ruim, mas
a constatação de que há mais crianças na escola é uma informação
muito positiva”, diz o assessor para Desenvolvimento Humano da ONU.
No ritmo em que vai, o Brasil deverá cumprir quatro das Metas do Milênio até 2015: diminuição da mortalidade até cinco anos, igualdade entre gêneros, acesso ao ensino fundamental e diminuição da fome. Já na diminuição da pobreza, no acesso a água e no acesso a saneamento, as perspectivas são sombrias.

Decepção – Nos dois últimos quesitos o desempenho brasileiro é especialmente decepcionante. Em mais de uma década, o acesso da população a saneamento aumentou somente cinco pontos porcentuais: em 1990 era de 71% e passou para 76% em 2001. Segundo as metas estabelecidas, o Brasil deveria chegar a 2015 com 86% da população ligada à rede de esgoto. A distribuição da água é outro problema complexo. De 1990 a 2001, cresceu de 83% para 87% a proporção de pessoas com acesso a água potável. É um avanço que esconde desigualdades regionais. Nas áreas rurais, houve um retrocesso. Ao aumento da população não correspondeu a extensão da rede de abastecimento. Já na área urbana, o fato de um maior número de pessoas ter acesso a água sem igual disponibilidade de esgotos faz com que algumas doenças parasitárias se proliferem mais facilmente. Em termos regionais, o Norte do Brasil foi a única área onde a pobreza aumentou desde o início da década de 90.

Os países nórdicos lideram o ranking do Desenvolvimento Humano. Os primeiros colocados são, respectivamente, a Noruega, a Islândia e a Suécia. O país com pior IDH é Serra Leoa, seguido de Niger e Burkina Faso, todos na África. Dos 34 países na faixa de baixo desenvolvimento humano, 30 estão na África, ao sul do Saara. A ONU alerta que, se a situação mundial continuar como está, a meta de reduzir pela metade o número de pessoas com fome só seria alcançada entre 2020 e 2050. Já no sul da Ásia e na África Subsaariana, isso só deverá ocorrer daqui a um século. Os progressos verificados na China e na Índia fazem crer que será possível alcançar o objetivo de reduzir em 50% a pobreza e a falta de acesso à água potável no mundo. Os dois países juntos têm 2,5 bilhões de habitantes, mais de um terço da população mundial. Assim como o Brasil, o mundo também tem de vencer a enorme desigualdade: enquanto na Noruega a esperança de vida é de 78,7 anos e o PIB per capita é de US$ 29.620, em Serra Leoa espera-se viver apenas 34,5 anos e o PIB per capita não passa de US$ 470.

 

Cronograma proposto pelo programa de Metas de Desenvolvimento do Milênio para o Brasil

De acordo com a projeção dos dados do relatório do último IDH, o Brasil deverá cumprir as seguintes metas até 2015

DIMINUIÇÃO DA FOME
Segundo o relatório, a porcentagem desnutrida da população brasileira caiu de
13% para 10%, entre 1990
e 2001. A meta é que chegue a 7% até 2015.

ENSINO FUNDAMENTAL
O relatório mostra dados referentes à taxa líquida de matrícula no ensino fundamental. São considerados nesse indicador os jovens de 7 a 14 anos matriculados na escola em comparação à população dessa faixa etária. Entre 1990 e 2001, a taxa brasileira passou de 87% para 97%, se aproximando rapidamente da meta de 100%.

IGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS
O objetivo é que haja paridade, ou seja, que exista uma aluna do sexo feminino para cada aluno do sexo masculino. Isso se traduz em uma taxa de 100%. No caso brasileiro esse valor já é de 103%, indicando uma maior proporção de estudantes mulheres do que homens e o cumprimento antecipado da meta.

QUEDA DA MORTALIDADE ANTES DOS 5 ANOS
Em 1990, para cada mil partos bem-sucedidos, 60 crianças morriam antes de completar cinco anos de vida. Em 2001 esse número havia caído para 36. A meta para 2015 é que essas mortes não passem de 20 a cada mil nascidos vivos.

E o Brasil não deverá cumprir…

DIMINUIÇÃO DA POBREZA
Entre o final da década passada e o ano de 2001, 9,9% dos brasileiros viviam com o equivalente a menos de 1 dólar por dia. A meta é reduzir para 4,95% até 2015.

ACESSO A ÁGUA
A proporção da população brasileira com uma fonte de água limpa em suas residências cresceu de 83% para 87% entre 1990 e 2001. A meta é que esse percentual chegue a 92%.

ACESSO A SANEAMENTO
O ritmo de evolução da porcentagem dos brasileiros que vivem em regiões com esgotamento sanitário é lento: cresceu de 71%, em 1990, para 76%, em 2001. A meta é chegar a 86% até 2015.