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Serviços personalizados, gurus renomados e a crescente necessidade do ser humano de respostas imediatas transformaram o misticismo em um mercado rentável – e imune à crise

Uma mulher vestida com uma túnica extravagante, prevendo o futuro num cômodo pequeno e mal iluminado, é uma das primeiras imagens que vêm à mente quando se pensa em esoterismo. Essa cena, porém, já não corresponde mais à realidade, diante de um mercado que se profissionalizou e cresceu em ritmo acelerado nos últimos dez anos. Gurus renomados, publicações especializadas, serviços personalizados e o poder de disseminação da internet fizeram do mundo místico uma área bastante rentável. Muitas pessoas também perderam o acanhamento de assumir o interesse pelo assunto – elas enxergam na consulta aos oráculos um instrumento que auxilia nas tomadas de decisões pessoais e profissionais. Por isso, não se importam em pagar até R$ 750 por uma sessão. Nem a crise econômica diminui as expectativas de expansão do setor. Os profissionais do segmento calculam crescimento entre 10% e 15% para 2009.

Não é a primeira vez que o mercado se encontra em expansão no Brasil. A diferença é que hoje este avanço está ancorado em empresas estruturadas e lucrativas. Nos anos 80 houve uma explosão de serviços esotéricos. E na década seguinte um declínio, devido ao excesso de charlatanismo. “Pessoas que ofereciam caminhos curtos para alcançar diferentes objetivos fizeram o misticismo cair em descrédito”, diz o antropólogo José Guilherme Magnani, professor da Universidade de São Paulo (USP). Somente aqueles que não prometeram a ninguém “a volta da pessoa amada em três dias” conquistaram a estabilidade a partir do final da década de 90. São profissionais que fundaram empresas e diversificaram as atividades.

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A numeróloga paulista Aparecida Liberato é exemplo do novo fôlego que se deu ao esoterismo com perfil profissional. Antes dela, os brasileiros não sabiam o que era numerologia, estudo que teria a capacidade de revelar a força dos números no nome de batismo (as letras têm números equivalentes), data de nascimento, endereço, entre outros. Fonoaudióloga, ela se apaixonou pelo assunto ao ser levada por uma amiga a um curso básico. “Quando comecei os cálculos, passei a entender aspectos importantes da minha vida”, afirma. Em 1999, ela lançou o livro Vivendo melhor através da numerologia. A obra tornou-se um sucesso, com 250 mil exemplares vendidos, e hoje seu nome é uma marca. “O aspecto empresarial renovou a crença do público”, diz o numerólogo Roberto Machado, presidente da Associação Brasileira de Numerologia. “O consumidor aprendeu a cobrar profissionalismo.”

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Foi acreditando em trabalho árduo que o esotérico André Mantovanni se tornou, aos 28 anos, um empresário que fatura cerca de R$ 1 milhão por ano. A vasta clientela na capital paulista o ajudou a conquistar os meios de comunicação e fundar uma editora para publicar seus próprios livros. Assumiu tantos compromissos que precisou diminuir o número de atendimentos pessoais diários para no máximo cinco. “Me orgulho de saber que quebrei a imagem de vidente”, afirma. “É uma profissão que faço com amor e a consequência é o dinheiro.” O império místico de Mantovanni vai aumentar em breve. Ele é o escolhido da ESOTV International, produtora húngara que fatura 100 milhões de euros por ano em 20 países com programas de esoterismo, para ser apresentador do primeiro projeto da empresa no Brasil. “Mantovanni já possui uma estrutura sólida e tem credibilidade”, diz André Carvalho, diretor de operações da ESOTV no Brasil. Com estreia em maio, em uma rede de tevê aberta, o investimento inicial no programa e em um portal na internet será de R$ 2,5 milhões. Mantovanni não pode revelar quanto ganha por contrato, mas diz que poderia parar suas demais atividades e viver só do novo salário.

Os empresários do esoterismo buscam abafar ao máximo o caráter de adivinhação tão relacionado à sua atividade. Entrevistados pela reportagem de ISTOÉ, garantem que seu trabalho não é previsão nem tem relação com o “além”. “Requer cursos, livros, estudo”, afirma o astrólogo baiano Alexey Magnavita. “Não erro mais do que a meteorologia ou a economia.” O que fazer, então, quando alguém chega decidido a saber o futuro? “Esse indivíduo vai se frustrar”, diz Mantovanni. “Tento colocá-lo de frente com suas qualidades e defeitos e, a partir daí, indico quais escolhas estarão disponíveis de acordo com os caminhos que ele vem traçando.” Quem concorda em ser “desvendado” por meios místicos costuma se render, afirmam os esotéricos. “Dá certo e por isso voltam”, afirma o astrólogo Maurício Bernis, presidente da Central Nacional de Astrologia. Até no meio empresarial os oráculos são acionados para melhorar o fluxo de caixa. A AstroBrasil, de Bernis, já atendeu cerca de 600 empresas. Em 30 de março, ele promoveu uma mesa-redonda com executivos de diferentes setores, como indústria química, bancos de investimentos e corretoras de valores em São Paulo. Cada um pagou R$ 360 para saber o que as conjunções astrais reservam para a economia. A recomendação foi cautela aos investidores entre a última semana de junho e a primeira de julho. Após setembro, o quadro econômico se estabilizará novamente, garantem os astros.

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O mercado editorial é também um bom termômetro do avanço do misticismo. Fenômeno de popularidade entre as classes C e D – provando que o interesse pelo assunto não tem fronteiras sociais –, o astrólogo João Bidu transformou sua Editora Alto Astral, fundada em 1985, em Bauru, interior de São Paulo, em uma sólida empresa de 300 funcionários, com um braço em Portugal. A Alto Astral vende 600 mil exemplares por mês com cinco títulos que abordam temas esotéricos. Apenas com essas revistas seu faturamento mensal passa de R$ 1 milhão. “As especiais de dezembro, com as previsões para o ano todo, chegam à tiragem de três milhões”, diz. O Grupo Record criou o selo Nova Era, só para o segmento esotérico, em 1992. “Percebemos que o assunto despertaria cada vez mais interesse. Acertamos”, diz Sérgio Machado, presidente da empresa, que lança 60 títulos místicos por ano e faturou R$ 5 milhões em 2008, 10% a mais que no ano anterior. A Editora Pensamento-Cultrix vendeu cerca de 500 mil livros explorando a temática no ano passado. O que explica o consumo voraz por esse tipo de literatura? “A procura por soluções não materiais e a diminuição do preconceito”, diz o presidente da empresa, Ricardo Riedel.

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Mas nada popularizou mais o esoterismo do que a internet. Portais especializados começaram a surgir no início dos anos 2000, com interpretações gratuitas de diversos oráculos. Os mapas cobrados são bem mais em conta do que na consulta pessoal, com preços que variam de R$ 20 a R$ 60. O usuário envia dados por e-mail, faz o pagamento por boleto bancário ou cartão de crédito e recebe sua análise alguns dias depois. O Personare, um dos principais sites do segmento, fundado em 2004, passou de seis mil pessoas cadastradas para 750 mil na contagem atual. O portal Estrela Guia envia por mês 3,5 milhões de horóscopos personalizados aos usuários cadastrados. A numeróloga Aparecida Liberato diz que é pela internet que atende 60% de seus clientes, por meio de câmera, serviço de mensagens instantâneas e telefone, que funciona através da conexão com a rede. “Tenho clientes em outros Estados e países”, conta. O computador deu ao astrólogo João Bidu a dimensão de sua visibilidade junto ao público. “Recebo dez mil e-mails por mês”, afirma.

Diante de um mercado tão promissor, aumenta a cada ano o número de pessoas que querem entrar na área. Há nove anos, o vidente Daniel Atalla fundou em São Paulo sua escola esotérica. Hoje são 30 cursos e mais de dois mil alunos. “Achei que meu conhecimento deveria ser disseminado e acessível a todos”, conta Atalla, que é também campeão de audiência da Rádio Mundial, em São Paulo. Criada há 15 anos, a programação da Mundial é 100% esotérica. E Atalla, sua estrela, com uma audiência que chega a 45 milhões de ouvintes por minuto.

Por mais exemplos de boa gestão de negócios que se tenha, é bom lembrar que o charlatanismo ainda existe neste meio. “Pessoas antiéticas podem estar presentes em todas as profissões”, defende a taróloga Nelma Pellegrini. “O enganador não se sustenta. Sua falsidade é descoberta”, reforça o antropólogo Magnani, da USP. Escapando dos aproveitadores, as orientações dos oráculos podem ser promissoras, como dizia o banqueiro J.P.Morgan, um fiel seguidor dos astros, já no início do século 20: “Milionários não usam astrologia. Só os bilionários.” Vindo de um dos maiores empresários da história, é um incentivo, no mínimo, tentador.

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