i110225.jpg

GRANDE AUDIÊNCIA Mais de 300 empresários, dezenas de parlamentares, ministros e governadores em Comandatuba

A ensolarada ilha de Comandatuba, no litoral baia no, pode parecer distante das crises financeira e política que sacodem o País, mas para a empresária Luiza Helena Trajano, que comanda a rede varejista Magazine Luiza, com faturamento de R$ 3,5 bilhões, foi o cenário ideal para vocalizar uma indignação que está na boca de dez entre dez brasileiros – e, em especial, na dos mais de 300 executivos e presidentes de corporações ali presentes, que empreendem e pagam gordas faturas de impostos. "O que vocês estão fazendo para evitar os gastos desastrosos com o dinheiro do povo?", perguntou ela, sem rodeios, a uma mesa composta por quase 40 participantes do Fórum Empresarial de Comandatuba, realizado na semana passada, na sua oitava edição. "Não somos contra o Congresso, mas queremos que o dinheiro do povo seja bem gasto." Aplaudida efusivamente, Luiza convertia-se naquele local e instante em uma líder natural do pensamento que dominava a plateia. Àquela altura, já chovia lá fora e o tempo fechou também na arena de debates.

i110234.jpg

Definitivamente, era outro o clima daqueles dias na ilha. "Acreditamos em vocês, tanto é que votamos em vocês, mas, nesse momento em que se fala em mudar paradigmas, não vemos nada efetivo para mudar."

i110226.jpg

i110227.jpg

i110228.jpg

A bancada principal, formada em boa parte por políticos – parlamentares, governadores e até ministros -, contava com a presença do presidente da Câmara, Michel Temer, que assumiu a tarefa de dar a resposta. "A questão do gasto comportaria uma longa conferência, mas a pergunta revela a importância que o Legislativo tem para a democracia. Os equívocos são 10, 12, 15 casos entre 513 deputados e 81 senadores. Não podem ser levados como regra." O parlamentar tergiversava. Sabia-se já naquele ambiente que o número de participantes da chamada "farra das viagens" era consideravelmente maior. Com argumentos que, mais adiante, não fariam nenhum sentido, Temer, num tom curto e grosso, deixou claro que não aceitava aquela linha de questionamento. "A senhora pega numa questão pontual."

Estava visivelmente irritado com a situação que, logo depois, o colocaria no centro da polêmica com a confissão pública de que, também ele, havia dado passagens a terceiros. Contou-se em horas o espaço de tempo entre o que falou Temer durante o Fórum e o que disse na manhã seguinte, já em Brasília, assumindo os bilhetes para a mulher e o irmão – em uma das viagens, rumo a Paris. Para os convivas de Comandatuba ele explicava que "a verba indenizatória está inteiramente transparente na internet e os equívocos foram cometidos no passado, não agora". Despertou a reação imediata de Arlindo Chi naglia, antecessor de le na presidência da Casa, que tomou a palavra para defender sua gestão. "Economizamos R$ 74 milhões com o corte de horas extras", disse. Um pingo no oceano dos custos congressuais, mas uma resposta direta a Temer. Empresários as sistiam àquele empurra- empurra como um simulacro do que acontecia nas sessões da Casa, onde os políticos batiam cabeça.

O Parlamento estava inapelavelmente em foco no fórum. O tema fundamental, sustentabilidade econômica e ambiental, cedia lugar a uma questão bem mais premente: a sustentabilidade política. Imagine quase três dezenas de parlamentares, uma dúzia de governadores e prefeitos, além de ministros juntos com um grupo de empreendedores que era estimado em 30% do PIB brasileiro. Respirava-se a atmosfera do poder. Muitos ali com capacidade de decisão podiam mudar o rumo dessa história das passagens e dos desmandos. E foi assim que o fórum se converteu em uma ótima ocasião para colocar o assunto a limpo. O senador Garibaldi Alves não resistiu: "Eu não ia falar.

i110230.jpg

i110231.jpg

i110232.jpg

Não fui acusado de nada até agora, mas tenho que dizer que me encontro às voltas com duas viúvas!" Expectativa na plateia. Alves passou então a contar o episódio da viúva do senador Jeff erson Peres (PDT-AM), falecido em maio de 2008, que o havia procurado com um apelo: queria converter os créditos de passagens do marido em dinheiro. O total somava mais de R$ 118 mil. Diz Alves que antes de fazer a concessão solicitou um parecer à procuradoria do Ministério Público, que foi positivo. "Estava certo que seria o contrário, mas fiquei sem saída e a viúva veio com tudo!", comentou em tom de piada, arrancando risos constrangedores. "Hoje estou às voltas com outra viúva, que é a do Erário, e venho sofrendo acusações. O que fiz acho que é muito pouco diante de um ano e três meses à frente do Senado e do Congresso Nacional."

O fórum não era um altar para penitências, mas os parlamentares pareciam dispostos a dar explicações e a buscar apoios. O senador Heráclito Fortes bradou: "Não somos todos nós que distribuímos passagem para Adriane Galisteu." Repetia seu comentário de dias atrás no qual alegava que passagem "se for para mulher bonita pode!". Heráclito fez uma convocação: "Empresários e políticos têm rotinas muito diferentes. Se, no dia a dia, vocês se aproximassem mais do Congresso, seria melhor para as discussões. Nós vamos para lá mandados por vocês, mas vocês esquecem da gente."

Decerto, são raras as circunstâncias em que essas duas faces do poder, a política e a empresarial, têm oportunidade de travar diálogos de maneira tão aberta, transparente e por tanto tempo. Já foi dito em muitas ocasiões que o maior pecado dos parlamentares é a distância que eles mantêm do mundo real. Ao trocarem, temporariamente, a "ilha" de Brasília pela de Comandatuba, avançaram nessa direção. Durante o fórum, por quatro dias esses senhores encaminharam tratativas. No seminário e nas rodas que se formaram à noite e nos dias seguintes. Alguns dos participantes do fórum apontaram que ele foi fundamental para cristalizar posições que redundaram na proposta de veto às viagens para parentes – ainda não totalmente aprovada. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, foi direto ao que importava. "O que há de errado na nossa democracia? Por que nós temos um presidente da República com uma popularidade histórica, governadores muito bem avaliados e prefeitos também e, ao mesmo tempo, o Congresso nessa situação?

Temos que acabar com a hipocrisia. Temos de ser mais transparentes sobre quem ganha o que e como." O organizador e moderador do evento, João Doria Jr. quis apaziguar as diferenças com ponderações que fizeram lembrar a todos o papel fundamental do Congresso brasileiro após anos de ditadura militar: "Não podemos suprir o direito do Poder Legislativo. A generalização só atende aos interesses daqueles que querem a mordaça no País", apontou Doria, filho de deputado cassado, ao defender o equilíbrio nos ataques.

Com a bagagem repleta de recados, o recém- empossado presidente da Câmara, Michel Temer, que havia protagonizado o momento alto do debate, não ficou nem mesmo para o jantar da noite, em que poderia sentir os refl exos de sua fala. Seguiu rápido para arrumar um jeito de estancar a polêmica