O escritor Carlos Heitor Cony, que acaba de lançar um novo romance – A tarde da sua ausência –, teve uma recaída há poucos dias. Dormiu mal, com saudade de sua máquina de escrever. A saudade virou mais uma bela crônica, publicada na Folha de S. Paulo, com o título “O cão e o gato”. A máquina, ele escreveu, “tinha o mérito ou a desgraça de me obedecer lealmente, cegamente… O computador é temperamental, ele me corrige a toda hora, tem vida independente, como um gato, que vive sempre na sua, e não como um cachorro, cuja glória é viver com e para o dono.” Ele escreveu O cão e o gato na máquina. Provavelmente, Cony matou a saudade sem saber da “ferroada” que estava vindo
sobre a sua Olivetti.

Em Milão, a Telecom Italia SpA e sua empresa holding, a Olivetti, anunciaram a fusão de seus ativos para simplificar a longa cadeia
de comando da maior empresa de telecomunicações da Itália. A nova companhia será batizada de Telecom Italia e controlada pela holding Olimpia SpA, com uma participação entre 14% e 15%. A marca Olivetti desaparece do mapa. Seus acionistas receberão sete ações para cada ação da Telecom Italia e a Olivetti levantará nove milhões de euros
para pagar pelo direito de seus acionistas optarem por comprar
ações adicionais da Telecom.

Faz tempo que a Olivetti desviou seu foco das máquinas de escrever, voltando-se pouco a pouco ao setor de telecomunicações. Pelo menos dez anos, segundo a memória do escritor Mário Prata, que, numa crônica publicada no Estado de S. Paulo, contou que teve uma Lettera 22 que ganhou do pai quando fez 18 anos. “Pois a maquininha ficou comigo quase 20 anos, vindo a falecer numa viagem de navio da Europa para cá.” A Lettera 22 também está no escritório do jornalista Armando Nogueira, de frente para a lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Ela está na sala dele, batizada de século XIX, seguindo-se a sala século XX, de seu assessor, Denilson Costa, e a século XXI, onde se acomoda toda a tralha eletrônica. Em tempo: Armando Nogueira rendeu-se ao laptop. O que não fez o escritor americano Norman Mailer nem mesmo quando pressionado a escrever livros só para pagar a pensão de suas ex-seis mulheres, mães de seus nove filhos, todas elas movidas pela ira da traição confessada. “Enganei todas as mulheres que amei”, disse Mailer, um debochado conservador de esquerda que completou 80 anos em janeiro de 2003. A italiana Olivetti SpA, que registrou um prejuízo líquido de US$ 446,3 milhões no primeiro trimestre, tem apenas 15 anos a mais que Mailer. Foi a primeira fábrica de máquinas de escrever italiana, fundada por Camillo Olivetti, em 1908. A primeira delas, chamada M1, de 1911, virou relíquia, como todas as outras que, ao lado do computador, estão prontas para tilintar o seu tec-tec numa emergência – ou numa crise de saudade como a de Cony. Jô Soares resolveu a questão com tecnologia: fez uma instalação de tec-tec em seu computador. Ele escreve no computador ouvindo o barulho da máquina. “Foi a única coisa que me deixou saudade”, ele diz.