Capaz de viver com poucos centavos no bolso, comendo porcaria e dormindo em albergues, Joe Gould atravessou assim três décadas, desde 1920, sempre sendo considerado um gênio. Ou pelo menos uma incógnita. Oriundo de uma família antiga da Nova Inglaterra, formado em Harvard, autor de um misterioso calhamaço intitulado Uma história oral de nossa época, o andarilho alcoólatra se auto-intitulava a maior autoridade viva em linguagem das gaivotas. Era sustentado pelo que chamava de Fundo Joe Gould, recebendo contribuições de intelectuais diversos. O prestigiado jornalista Joseph Mitchell foi um deles, e o resultado da convivência com o ser lendário, do início dos anos 1930 até a morte de Gould, em 1957, pode ser lido em O segredo de Joe Gould (Companhia das Letras, 160 págs., R$ 27,50).

Enfeixando o livro encontra-se o posfácio de João Moreira Salles, O homem que escutava, em que explica quem foi Mitchell e o significado
da revista New Yorker para a qual ele trabalhou. Um de seus escritos mais célebres descreve um minúsculo pica-pau dando bicadas numa árvore até derrubá-la. Ou seja, seu talento o capacitava a dar brilho, inclusive a situações prosaicas como esta. Para elucidar o mistério
do vagabundo boêmio foram necessárias duas décadas, período que separa os dois textos contidos no livro. O professor Gaivota, escrito
em 1942, conta como Mitchell tomou conhecimento de Gould e de sua História oral. O texto do título do livro data de 1964 e trata das descobertas do jornalista, algumas ocultadas até do próprio focalizado. Ambos formam um perfil extraordinário, uma lição para jornalistas de todas as épocas e modismos.