O diretor Felipe Lacerda, que, em parceria com José Padilha, assina o premiado documentário Ônibus 174, durante algum tempo fez uma convocação singular pela internet. Queria encontrar gente comum, que contasse suas histórias e as filmasse sob orientação. Dos 25 mil interessados, ele selecionou 250 pessoas de todas as idades, credos e raças. “Baseado na história da pessoa, eu crio o roteiro na hora. Não é voyeurismo nem banalidade. Quero é contar bons casos a partir da vida real”, explica Lacerda. As gravações têm mostrado depoimentos verdadeiramente confessionais, e a compilação final deve ficar melhor ainda, depois que o material heterogêneo for reunido num longa-metragem, previsto para ser lançado no primeiro semestre de 2004. “Assim, o Brasil poderá ver sua própria cara”, aposta o diretor.

Seguindo um determinado formato, Lacerda distingue estilos aparentemente semelhantes, mas de formulação diversa. “Meu trabalho é a realidade oferecida, no qual as pessoas expõem suas vidas e podem ocultar o que não quiserem revelar.” Nesta espécie de confessionário cinematográfico, cada um faz antes um curso para operar uma câmera videodigital. Depois, dão seus nomes verdadeiros e não recebem nada pela tarefa. O diretor concluiu que o ato o distanciaria de seu objetivo.

Ganhar dinheiro nem passou pela cabeça da estudante carioca Fernanda Teixeira de Medeiros, 16 anos. Lacerda a encontrou num restaurante e ficou impressionado com o fascínio que ela despertava em cinco rapazes numa mesa próxima. A estudante soltou um desabafo sincero sobre seus relacionamentos. “No começo, estava com o maior medo, todo mundo vendo o que eu pensava. Mas depois parei de me preocupar com a câmera e falei tudo o que estava sentindo”, disse Fernanda a ISTOÉ. Com a produtora de vídeo Maria Cláudia Gondomar, uma carioca de 25 anos, mais conhecida como Cacau, a motivação foi bem diferente. Quis contar a todo mundo o sucesso da sua operação de estômago, que a fez perder 60 quilos. “Quem faz essa cirurgia não pode ver um gordo na rua que sente vontade de fazer propaganda”, exulta Cacau, hoje pesando
63 kg, bem distribuídos em 1,73m.

O documentário embute o projeto de ser um produto veiculado em cinema, televisão, internet e rádio. Já estão prontos oito filmes de
um total de 40. “Encontrei um pedreiro que é um gênio da fotografia,
sem nunca ter tocado numa câmera. As pessoas têm necessidade de
se documentar. É uma forma de se preservarem para a posteridade”, aposta o cineasta. Assim se enquadra o atleta carioca William Moreira
da Silva. Ele diz que deveria se chamar Shakespeare, mas se contenta em usar o sobrenome fictício Vorhees. Gravou seus próprios saltos de obstáculos e enriqueceu o filme com imagens criadas por ele, como
os maços de cigarro para se referir ao vício abandonado. Conta que perdeu um amigo esquartejado pelo tráfego e hoje se ufana do destino traçado por ele mesmo.