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DE BRAÇOS CRUZADOS
Michelle Cristina, Rafael Cambraia, Yasmin Serrano,
Paulo Victor e Amanda Ferreira (da esq. para a dir.): eles passaram
no concurso, mas não levaram a vaga

 O economista Roberto Pereira Alves pediu demissão da empresa na qual trabalhava em Manaus, em outubro do ano passado, para se habilitar ao curso de formação dos servidores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em Brasília. Era o último passo antes de assumir o cargo de analista, com salário superior a R$ 10 mil. Alugou uma casa no Distrito Federal e matriculou o filho mais velho numa universidade particular, enquanto a esposa cumpria aviso prévio como professora no Amazonas. Quatro meses se passaram e a Aneel não recebeu permissão do Ministério do Planejamento para contratar nem Roberto nem os outros 138 aprovados no concurso. Todos são vítimas do corte no Orçamento de 2011 feito pelo governo. No pacote fiscal, o Ministério da Fazenda congelou todas as 25.334 vagas previstas para 2011, na tentativa de evitar um aumento nos gastos com pessoal da ordem de R$ 1,233 bilhão. Por isso, até os pedidos da cúpula da Aneel estão sendo ignorados. Em 8 de janeiro, a agência encaminhou ao Planejamento um ofício solicitando autorização para nomear os candidatos classificados. “Apesar dos esforços, a autorização não foi concedida”, disse a Aneel em e-mail enviado aos futuros servidores.

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DESEMPREGO
Aprovado em concurso da Aneel, Roberto Alves
até agora não foi chamado para assumir o posto

Como advertiu a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, os cortes não ocorreriam “sem dor”. Isso é fato. Centenas de pessoas vivem situação semelhante à de Roberto Alves, que já vendeu o carro para sustentar a família. Davam como certa a nomeação para um cargo público que não acontecerá tão cedo. A brasiliense Amanda Ferreira deixou para trás o salário de R$ 7,5 mil na Receita Federal, em Mato Grosso do Sul, para assumir a Aneel. “Eu queria voltar para Brasília, mas agora estou completamente dependente dos meus pais”, diz Amanda, que passou os últimos quatro anos se preparando para ser servidora da União. “Essas pessoas se prepararam para assumir sua vaga, até porque tinham sido convocadas pela administração pública, mas viram frustradas suas expectativas e agora se encontram na rua da amargura, sem perspectivas”, afirma o senador Itamar Franco (PPS-MG), que tomou para si a missão de defender os aprovados.

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DÚVIDA
Lívia Peral não sabe se o seu esforço para
se tornar chanceler será recompensado

Pelo menos 3.166 pessoas esperavam a convocação imediata antes de o governo congelar as contratações. O Instituto Nacional do Câncer, que ofereceu 191 vagas para ingresso imediato, já avisou que vai efetivar apenas 80 pessoas. A Fiocruz, que ofereceu salários de R$ 1.678,28 a R$ 19.535,22, também não tem autorização para chamar os aprovados. Os exemplos se multiplicam. A diretora-executiva da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos Públicos (Anpac), a advogada Maria Thereza Sombra, argumenta que, quando os órgãos lançaram os editais no ano passado, não previam nenhum corte nem congelamento das vagas. “É uma grande injustiça social das mais diferentes óticas”, diz Thereza “Os concursos foram abertos porque há falta de servidor. Haverá um problema sério e estrangulamento da máquina administrativa.” Nos cálculos da advogada, cerca de 40% dos funcionários da esfera federal deverão se aposentar até 2012. “No segundo semestre, o governo será obrigado a rever essa decisão.”

É possível, mas o governo está realmente determinado a economizar. Apesar das pressões, a ministra Miriam Belchior garante que as nomeações para o serviço público federal continuarão suspensas. “Vamos analisar caso a caso, mas o tom geral é vermos com bastante cuidado as contratações”, insiste ela. A decisão deixa o concursando Bruno Abdala Louzada Dias apreensivo. Com uma rotina de dez horas diárias de estudo, o jovem torce para que o concurso para a Advocacia-Geral da União (AGU) seja mantido. “Esse tipo de concurso ocorre apenas de três em três anos. Se suspenderem agora, como fica?”, pergunta. Lívia Peral estuda sem saber se o esforço de mais de dois anos para passar no concurso de Oficial de Chancelaria do Itamaraty será em vão. “É muito chato você se preparar tanto para um concurso, que depois é suspenso”, afirma Lívia. O pernambucano Joaquim Prado ainda alimenta esperança. Dias antes do anúncio dos cortes, ele pediu demissão da embaixada dos Estados Unidos, onde trabalhou por mais de uma década, para estudar exclusivamente visando uma das 26 vagas previstas para o Instituto Rio Branco. “Me parece uma contingência temporária. Vou aproveitar para estudar e ter o melhor desempenho”, diz.

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ESFORÇO
Bruno Abdala estuda dez horas
por dia para virar advogado da União

Em princípio, acreditava-se que a indústria de cursos preparatórios iria sofrer com a suspensão dos concursos. Mas o segmento acabou beneficiado. Candidatos a carreiras públicas decidiram aproveitar o momento para se aprimorar nos estudos. O professor José Wilson Granjeiro, dono do Gran Cursos, holding que reúne sete cursos, está comemorando o aumento de 25% nas matrículas em apenas uma semana – exatamente a semana seguinte ao anúncio do corte no Orçamento. Ele explica que houve muita publicidade do número de vagas congeladas e dos altos salários pagos. Além disso, os cortes só atingem o Executivo, o que portanto não afeta o Legislativo, o Judiciário, Estados e municípios. “Muitas pessoas que não estavam se preparando perceberam que agora têm mais tempo”, diz Granjeiro. Quem sai perdendo são aqueles que estudaram, passaram pela peneira dos concursos e terminaram desempregados.

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