O reajuste de até 41,75% da telefonia fixa (28,75% em média para os assinantes residenciais) chacoalhou o País na quinta-feira 26 e teve repercussão barulhenta no dia seguinte, quando o Diário Oficial da União anunciou oficialmente que todos – pessoas físicas e jurídicas – irão pagar mais – bem mais – toda vez que usar o telefone. Ninguém gostou. Tanto que as contestações, inclusive de ministros, podem levar o aumento a uma contestação na Justiça. “O Ministério Público e associações de consumidores estão estudando formas de contestar o aumento na Justiça”, disse o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, que também colocou seu ministério à disposição para dar apoio técnico às contestações. Também o senador Luiz Otávio (PMDB-PA) anunciou que dará entrada imediatamente em requerimento na Comissão de Fiscalização e Controle pedindo a convocação do presidente da Anatel, Luiz Guilherme Schymura, para
que explique o reajuste médio das tarifas de 28,75%. Segundo ele, se
a justificativa do dirigente da Anatel não convencer os senadores, a
Casa poderá requerer sua destituição do cargo. “Como temos o poder
de apoiar os nomes, temos também o direito de obrigá-los a renunciar”, disse. Sua solicitação poderá ser incluída na pauta da convocação extraordinária do Senado. Isso permitirá ouvir Schymura ainda no período do recesso relativo, que se estende do dia 1º a 31 de julho. Na sua avaliação, não há motivos capazes de justificar reajustes de até 50%
nas linhas telefônicas comerciais, quando a previsão de inflação do País estará abaixo de 4%.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), responsável pela fiscalização e regulação do setor, não considerou os argumentos do governo em favor de um reajuste parcelado. Como é uma autarquia independente (a primeira agência reguladora criada em 1997 pelo
então ministro das Comunicações, Sérgio Motta), faz o que quer, independentemente da situação econômica do País. E o que quer
neste momento é o cumprimento de uma cláusula do contrato das teles que prevê o reajuste anual pelo Índice Geral de Preços de Mercado, Disponibilidade Interna (IGP-DI) – que acumulou nos últimos
12 meses 30,5%, menos um fator de produtividade de 1%. Esses são os índices máximos permitidos às companhias. “Contratos têm que ser respeitados, mas o poder público pode revogar algumas cláusulas
que considera abusivas, e este é um aumento abusivo contra o País”, disse o ministro das Comunicações.

As empresas do setor estavam com pressa. O presidente da Telefonica, Fernando Xavier, antes da Anatel, anunciou o reajuste, levantando suspeitas de que teria manobrado a agência. Com todas as palavras, ele disse que o reajuste seria numa única parcela por questões jurídicas e regulatórias. Disse também que o aumento das tarifas poderá provocar uma alta na inadimplência. Brasil Telecom e Telemar divulgaram a nova tabela
de preços dos serviços – que vai vigorar a partir da zero hora deste domingo – na sexta-feira 27. Para acirrar a polêmica, analistas seguiram contra a corrente, dizendo que o reajuste concedido às operadoras de telefonia fixa foi bem recebido – sob a justificativa de que o aumento abusivo vai compensar a inadimplência. O que eles, analistas, não
dizem é que a inadimplência tem um grande apelo para aumentar
ainda mais a partir de agora.

Impacto – Enquanto o usuário doméstico – o País tem 38,7 milhões de telefones fixos – amaldiçoava a péssima surpresa de um tão ganancioso aumento, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, lamentava que o reajuste acima do previsto nas tarifas de telefonia fixa vai causar um impacto negativo nas expectativas de inflação. O Banco Central esperava um aumento de 19%, o que resultaria em um peso de apenas 0,5 ponto porcentual no índice oficial de preços (IPCA). O impacto agora pode chegar a um ponto porcentual, o que parece pouco mas não é.

A crítica que se faz à Anatel não tem rodeios: a agência se rendeu às pressões das operadoras, desconsiderando o momento de reunir todos os esforços para conter a inflação do País. Por conta dessa independência excessiva – que está na mira do governo –, a partir deste domingo 29, assinatura básica e pulso vão custar 24,5% a mais, e as assinaturas sobem 41,75%. Para o presidente do Banco Central, o reajuste é pontual e não deve ser seguido por outros agentes econômicos, mas pode alongar a permanência da chamada inércia inflacionária. “Isso não é projeto de inclusão social em telecomunicações, é para excluir a população de baixa renda dos serviços de telefone”, disse Miro Teixeira. O maior reajuste na assinatura residencial ocorreu em Brasília (26,04%). Mudar de endereço também ficou bem mais caro – exatamente 30,04%.

O presidente da Anatel, Luiz Guilherme Schymura, alega que não houve disposição de afrontar o presidente da República. “Estamos cumprindo o que está no contrato”, disse. Ele admitiu que o aumento é elevado e acontece num momento inadequado, de inflação declinante, mas continuou reafirmando que o papel da agência é cumprir o contrato. Indicado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, Schymura tem mandato fixo na agência até novembro de 2005. Como a agência é independente, ele não pode ser demitido pelo presidente Lula, só pelo Senado (que aprovou a sua indicação).

Se depender da deputada Telma de Souza (PT/SP), a carreira de Schymura na Anatel terá vida mais curta do que ele imagina. Ela já encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei que reduz em
grande parte o poder das agências reguladoras. “Não é nossa intenção trazer de volta o modelo antigo, mas não podemos ter órgãos tão fortes que fogem à ação do governo”, disse a deputada durante seminário promovido pelo Instituto Trevisan, em São Paulo, que discutiu “O Papel das Agências”, na terça-feira 24. Basicamente, Telma defende em seu projeto uma independência controlada para as agências e o fim dos mandatos fixos dos diretores. Hoje, eles têm mandato de cinco anos
e não podem ser demitidos nem pelo presidente da República. Mesmo quando cometem desatinos.