Em pacote de medidas anunciado na quarta-feira 25 pelo governo federal vai forçar o sistema financeiro brasileiro a conviver com um país de quase 180 milhões de habitantes – um desafio e tanto para quem está habituado a atender uma parcela da população que nunca ultrapassou 50 milhões de pessoas. Inédito pela abrangência, o conjunto de decisões vai irrigar em R$ 4 bilhões a oferta de crédito popular e deve provocar “uma revolução para o financiamento das pessoas mais pobres”, nas palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Se tudo funcionar como deseja o governo, dentro de dois meses os milhões de excluídos do sistema poderão ser atendidos por um novo braço do Banco do Brasil, batizado pelo próprio Lula de Banco Popular do Brasil. O primo pobre do BB vai operar oferecendo crédito na faixa de R$ 200 a R$ 600, com uma taxa estimada em camaradas 2% ao mês – hoje é praticamente impossível uma pessoa física conseguir dinheiro emprestado a menos de 5% ao mês. A Caixa Econômica Federal também já está escalada para ajudar: há três semanas já é possível abrir uma conta no banco oficial sem burocracia e sem comprovação de renda – um modelo que de cara atingiu um sucesso enorme (dez mil contas desse tipo são abertas ao dia) e vai ser estendido à rede bancária privada, que está sendo sutilmente forçada a colaborar.

O dinheiro para bancar a oferta de crédito virá principalmente do empréstimo compulsório (depósito obrigatório feito diariamente pelas instituições no Banco Central). Dois por cento dessa bolada – ou R$ 1,5 bilhão – serão liberados para as operações de microcrédito.
Cada banco poderá optar entre deixar o dinheiro onde está – parado no BC – ou oferecê-lo à população de baixa renda, nos mesmos moldes da nova divisão do Banco do Brasil. Em épocas de apoio irrestrito às iniciativas de inclusão social fica difícil imaginar alguma instituição adotando a primeira alternativa. Até porque a Federação dos Bancos (Febraban) apoiou o pacote publicamente.

Outro ponto importante do pacote diz respeito às cooperativas de crédito, uma bandeira da campanha presidencial petista. As regras para
a criação de instituições desse tipo serão facilitadas. Comunidades bem organizadas – mesmo que pequenas e sem acesso ao sistema financeiro – serão as mais beneficiadas, já que poderão criar uma estrutura própria de financiamento. Um bálsamo para quem, mantida a atual estrutura elitista do sistema financeiro, muito provavelmente passaria a vida sem viver a prosaica experiência de abrir uma conta em banco.

 

“ A gente não quer só dinheiro ”

A população de baixa renda excluída dos bancos não quer apenas crédito com juros menores e sem tanta burocracia, mas também o acesso aos diversos produtos bancários, como poupança e seguros, inclusive o funerário. Uma pesquisa inédita realizada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para planejar a atuação de cooperativas de crédito confirma que os bancos estão mais ausentes quanto mais pobres forem as famílias e as regiões em que essas pessoas vivem, segundo o coordenador de crédito da Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) da CUT, Reginaldo Sales Magalhães.

A pesquisa mostrou que essa população sem conta bancária recorre a diversas alternativas para fazer poupança informal: além do velho colchão, guardam suas pequenas quantias com vizinhos para usar em casos de necessidade, mesmo que essa poupança não sofra nenhuma correção. Como a população de baixa renda tem dificuldade de acesso ao sistema formal, uma das alternativas mais acessíveis são as cooperativas de crédito, diz Magalhães. Nesse sentido, Sebrae e ADS tocam um projeto de apoio ao crédito e à produção em diversos empreendimentos de trabalhadores no País. É o Sistema Ecossol de Economia Solidária. “No mundo inteiro as cooperativas de crédito vêm possibilitando maior facilidade de acesso aos serviços e produtos bancários com menor custo do que oferecem as instituições financeiras”, diz o representante da CUT.

A parceria Sebrae/ADS envolve 15 projetos de complexos cooperativos e 70 empreendimentos de diversos segmentos, como agricultura, têxtil, reciclagem, metalurgia, maricultura, artesanato e alimentação, espalhados por dez Estados brasileiros. O projeto tem duas vertentes: uma de apoio ao crédito e outra à produção. Hoje, já existem 12 cooperativas apoiadas pelo projeto, que somam um capital social de R$ 2 milhões. A meta é chegar a 30 até o final de 2004, envolvendo cerca de seis mil pessoas. A meta final é criar 1,8 milhão de postos de trabalho em cinco anos.
Célia Chaim