Imagine que você gaste mensalmente R$ 100 e ganhe apenas R$ 80. No final do mês, terá que pedir um empréstimo para fechar as contas, sobre o qual pagará juros. Agora, ponha esses juros em patamares exorbitantes, coloque essa dívida na casa dos bilhões e teremos a exata dimensão da situação fiscal do Brasil, que pode ser simbolizada em um número: R$ 153,7 bilhões. É o valor que o governo brasileiro pagará de juros sobre a sua dívida pública até o final do ano, que deve somar R$ 1,012 trilhão. Somente entre janeiro e agosto, foram pagos R$ 105,7 bilhões de juros (7,5% do Produto Interno Bruto, o PIB). É um aumento de mais de 25% em relação ao mesmo período do ano passado. Previsões da consultoria Tendências, com base nos últimos dados do Banco Central, apontam que os R$ 153,7 bilhões chegarão a 7,96% do PIB. O porcentual, de acordo com a consultoria, só não será mais alto por causa do câmbio que vem favorecendo o real.

Mesmo com o superávit primário (receitas menos despesas, fora os juros) recorde de R$ 78,9 bilhões até agosto (6,3% do PIB), o Brasil não consegue equilibrar suas contas. Ou seja, tudo que o governo economiza não é suficiente para pagar os juros de sua dívida. Além do rombo causado todo mês pelo INSS (déficit de R$ 39 bilhões este ano e R$ 43,5 bilhões em 2006), o responsável por esse buraco monstruoso nas contas públicas são os juros estratosféricos, hoje na casa dos 19,5% ao ano.

Apesar do esforço fiscal sem precedentes, o endividamento do País não diminuiu. A dívida pública terminou o ano passado representando 51,7% do PIB. Este ano, já pagamos os R$ 105,7 bilhões em juros, mas continuamos, em agosto, devendo os mesmos 51,7%. As projeções para o final de 2005 apontam para um crescimento da relação dívida/PIB (o principal indicador da solvência de um país) para 52,1%. Os economistas indicam dois caminhos para a redução da dívida: encolher o numerador (valor da dívida), coisa que o País não consegue porque continua gastando mais do que arrecada; ou aumentar o denominador (PIB) em maior proporção, o que também está difícil graças ao tímido crescimento econômico de 3% ao ano. “Como o País é deficitário, tem de buscar financiamento no mercado pagando juros altos”, explica Guilherme Loureiro, da Tendências.

Como a população brasileira não nada em dinheiro, o que está sendo gasto com juros faz falta e poderia ser canalizado para programas sociais. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pelos projetos de transferência de renda do governo federal, por exemplo, tem orçamento de R$ 17 bilhões este ano. A verba do tão propalado Fome Zero, que envolve 31 programas de 11 ministérios, é praticamente um décimo dos R$ 105,7 bilhões pagos até agosto. E não é só. Com o dinheiro engolido pelos juros, seria possível recuperar todas as rodovias brasileiras por pelo menos sete vezes. Devido ao aperto fiscal, a quantia que sobra para investimento público é risível. Em 2004, foram R$ 10,5 bilhões, inferior a 1% do PIB e longe dos 5% da década de 1970. Este ano, a previsão é de R$ 11,4 bilhões, mas até agora muito pouco foi liberado.

O economista da Unicamp Márcio Pochmann vê os gastos com juros como os mais improdutivos do ponto de vista econômico. “Ainda mais em um país com tanta desigualdade”, lembra ele, que chama o Ministério da Fazenda de “Ministério dos Juros”. A situação piora se pensarmos que 80% da dívida brasileira está nas mãos de 20 mil famílias que lucram com os ganhos de capital. “Essa política econômica é adotada porque sofre pouca resistência. Um conceito como o pagamento de juros da dívida está distante da realidade do operário, da dona-de-casa. Não vemos passeata apoiando a queda da taxa de juros”, diz Pochmann, que defende um prazo maior para os títulos da dívida e aumento da tributação para os ganhos de capital.

“Se pensarmos a política econômica em geral (não só a monetária), é óbvio que o mix do modelo econômico adotado pelo Brasil não é o melhor”, afirma Joaquim Elói Cirne de Toledo, Ph.D em economia pelo Massachusetts Institute of Technology. Isso porque o governo pratica uma política fiscal que reduz a demanda com juros altos que também reduzem o consumo. Em outras palavras, há espaço para a queda dos juros. Segundo Toledo, a receita é aplicar uma política fiscal restritiva (cortando-se, por exemplo, gastos do governo e ao mesmo tempo impostos) para segurar a inflação e relaxar um pouco a política monetária, abaixando os juros e permitindo o crescimento. O BC e a Fazenda poderiam começar a experiementar a receita.