Uma sucessão de trapalhadas que incluíram retenção e demora na liberação de recursos federais; falhas na aplicação do dinheiro e no controle dos rebanhos por parte do governo de Mato Grosso do Sul; e uma acomodação por parte dos pecuaristas em relação ao controle do vírus da aftosa e da origem de seus bois e vacas terminou da pior forma: na sexta-feira 7, assustando criadores e exportadores de gado de todo o País, foi descoberto um foco de febre aftosa na Fazenda Vezozzo, em Eldorado (MS), a 30 quilômetros da fronteira com o Paraguai, país cujos controles da aftosa não são levados a sério. E não foi um foco qualquer. Nada menos que 140 animais, do total de 582 cabeças da fazenda, estavam contaminados pelo vírus.

O anúncio da volta da aftosa em um Estado responsável por 45% das exportações de carne bovina do Brasil – mais de US$ 3 bilhões, até o final de setembro, sendo US$ 1,4 bilhão do Mato Grosso do Sul – deixou todos de cabelo em pé e colocou em risco o verdadeiro “boi de ouro” em que o setor se transformou. “O principal responsável pela saúde do gado é o dono do rebanho”, atacou, direto de Portugal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A frase de Lula refletia um sentimento dentro do governo de que a culpa sobre a volta da aftosa não poderia cair apenas sobre os ombros do poder federal – acusado de reduzir de R$ 167 milhões para R$ 37 milhões os recursos para defesa sanitária em 2005. Na verdade, é difícil imaginar que 140 reses doentes, com as patas feridas e definhando por não poder pastar, tenham passado tanto tempo sem ser notadas. Pior, especialistas têm quase certeza de que o gado que infectou o rebanho da Vezozzo foi comprado no Paraguai a preços de pechincha.

Há muito tempo, as fronteiras entre Brasil, Paraguai e Bolívia são figuras de ficção. É corrente entre os pecuaristas que trazer um boi ou uma boiada dos vizinhos não é uma tarefa difícil. Pelo contrário. “Desde 1992, quando iniciamos um controle de qualidade, todos os focos aconteceram nas fronteiras. Só não vê quem não quer”, diz Lucídio Coelho, presidente da Acrissul, a associação de criadores do Estado. Controlar a entrada de animais vindos do Paraguai e da Bolívia é uma questão antiga, e o Brasil, como o maior exportador do mundo em volume, já deveria ter encontrado uma solução há mais tempo para preservar sua própria carne. Os Estados Unidos, por exemplo, gastaram alguns bilhões de dólares para erradicar a aftosa nos vizinhos México e Canadá. “Se não fizermos o mesmo nas nossas fronteiras, vamos ter esses problemas sempre”, afirma João Cavallero, presidente da Iagro, a agência de defesa sanitária animal e responsável pelas investigações em Mato Grosso do Sul.

Passado o susto, os governos federal e estadual agiram rápido e dentro do manual de combate à aftosa, doença sem cura e cujo vírus se espalha até pelo vento. Exames sorológicos vão determinar se o gado estava vacinado, como alegam os responsáveis pela fazenda. E de onde veio. Barreiras sanitárias foram instaladas em todas as estradas dos municípios vizinhos a Eldorado e o trânsito de animais, proibido. As imagens feitas pela tevê e divulgadas nos telejornais tinham um objetivo: mostrar aos países importadores que o Brasil não está vacilando na erradicação do foco da doença. Até a quinta-feira 13, a União Européia (25 países), mais Rússia, Uruguai e Chile, suspendeu a compra de carne saída de Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná (Estados vizinhos). África do Sul, Israel e Argentina foram além e decidiram não importar, até segunda ordem, qualquer carne bovina do Brasil.

O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, também se mexeu. Primeiro, disse que há recursos para ampliar a vacinação do gado e que vai receber mais R$ 78 milhões até o final do ano, recompondo os recursos orçamentários que estavam contingenciados pelo Ministéro da Fazenda. E fez mais. Foi até Mato Grosso do Sul, inspecionou a fazenda onde o gado doente foi encontrado e abatido e deu uma geral pela região. No fim de semana, seguiu para a Europa, onde vai se juntar à comitiva de Lula, rumo à Rússia. “Vamos mostrar a eles as medidas que tomamos e iniciar as negociações para que o embargo seja suspenso o mais rápido possível”, afirmou. Se tudo der certo, o embargo durará no máximo até dezembro. Caso contrário, o “boi de ouro” brasileiro vai acabar na vala comum.

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