O novo chefão do tráfico no Rio de Janeiro usa boné, colete e distintivo da Polícia Federal. Marcos Paulo da Silva Rocha não precisava nem do Comando Vermelho nem do Terceiro Comando para controlar a venda de drogas em favelas cariocas. Lotado na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), ele recrutou jovens agentes e escrivães para assaltar, seqüestrar, traficar e matar. A quadrilha ganhou fama. Virou a “Seven”. Rocha usava a própria sede da PF para fazer negócios com os traficantes. A estratégia era simples e eficiente. Batidas policiais eram realizadas. Drogas apreendidas e levadas para o depósito. De lá, a droga era retirada da sala-cofre e levada até um sítio. Começava o que na gíria do tráfico se chama de batismo.

A cocaína pura apreendida tinha o volume multiplicado com o acréscimo de bicarbonato de sódio e sabão de coco em pó. Os policiais traficantes devolviam à sala-cofre o mesmo peso retirado, mas adulterado e ninguém desconfiava. O restante produzido pelo processo de batismo abastecia as bocas de distribuição de drogas. A polícia não tem um levantamento sobre a quantidade desviada, mas suspeita que a quadrilha agia há pelo menos três anos. Depois do roubo dos R$ 2 milhões apreendidos com os traficantes na Operação Caravelas, em setembro último, uma comissão de auditoria da própria PF descobriu pelo menos dois casos de desvio, um de 20 quilos e outro de 30 quilos – um indício de que a mesma tática pode ter sido aplicada em várias outras ocasiões.

A ousadia de Rocha chegou ao extremo quando, num desafio aberto ao diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, ele decidiu prender Duda Mendonça, o marqueteiro da campanha de Lula, no Clube Cinco Estrelas, durante uma rinha de galo, no Rio, em outubro do ano passado. A operação, segundo investigações internas, teria sido uma retaliação em função das mudanças comandadas por Lacerda na DRE do Rio – de onde se originaram os integrantes da quadrilha.

Foi nessa operação que o chefão cometeu seu primeiro grande erro. O grupo roubou R$ 100 mil em 23 cheques do clube Cinco Estrelas, descontou três, no valor de R$ 17 mil, mas deixou o rastro que a polícia esperava. Rocha nem desconfiava que a partir desse dia seus passos seriam seguidos. Mesmo assim, sempre contando com a impunidade, continuou no crime, chegando ao auge do atrevimento ao roubar os R$ 2 milhões que a polícia havia apreendido com os traficantes.

Na ficha de Rocha e de seus comparsas há de tudo: tráfico, extorsão, seqüestro, roubo e assassinatos. Um deles foi documentado pelo circuito interno de televisão do centro empresarial Rio Office, na Barra da Tijuca: Rocha matou a tiros dois comerciantes que não queriam pagar a dívida de um agiota que o contratara para receber o dinheiro. Um dos tiros que disparou por pouco não acertou o escrivão Fábio Kair. Era um sinal de que o novo chefão do tráfico estava fora de controle e nada mais o intimidava. A polícia suspeita que ele tenha envolvido a família em seus crimes e espera encontrar os R$ 2 milhões. O dinheiro estaria com a mulher de Rocha. Lacerda comanda pessoalmente as ações de faxina na PF do Rio. Preso em Brasília, Kair aceitou a delação premiada e está entregando a quadrilha. Até agora já foram presos seis policiais e um informante, mas o grupo é bem maior e contamina boa parte do aparelho policial do Rio.