O epicentro do terremoto político mais grave dos primeiros seis meses da gestão Lula tem uma localização definida e inusitada: as cordas vocais do presidente. Lula faz quase um discurso por dia – muitos improvisados – e já foi aconselhado a falar menos. Na terça-feira 24, numa solenidade na Confederação Nacional da Indústria, o pendor verbal de Lula voltou a estremecer as relações entre os poderes. “Nada, podem ficar certos de que não tem nada, nem chuva, nem geada, nem terremoto, não tem cara feia, não tem Congresso Nacional, nem o Poder Judiciário. Só Deus será capaz de impedir que a gente faça este país ocupar um lugar de destaque, que ele nunca deveria ter deixado de ocupar.”

Lula diz o que quer e acaba lendo o que não quer. O café da manhã da quarta-feira 25 azedou com a manchete do jornal O Globo: “Lula: não tem Congresso nem Judiciário que impeçam reformas.” O presidente ficou perplexo com a leitura que o jornal fez de seu discurso, sem perceber que esta também era a reação do outro lado da Praça dos Três Poderes. Na noite anterior, Lula se mostrava irritado com a dificuldade que seu governo tem para explicar suas posições: “Estamos perdendo a guerra da comunicação”, reclamou Lula, repetindo uma frase recorrente de FHC. No dia seguinte, a irritação de Lula cedeu lugar ao abatimento. A repercussão da frase infeliz levou o presidente a atrasar em uma hora a cerimônia onde anunciaria, ao lado dos presidentes da Câmara e do Senado, a convocação do Congresso no recesso de julho. O senador José Sarney ligou para Lula e avisou: “Os líderes não querem que eu vá ao Palácio, em sinal de desagravo.” O deputado João Paulo Cunha preveniu Lula: “Vamos atrasar, estamos contornando uma crise aqui.” A ida da cúpula parlamentar ao Planalto só foi acertada quando se garantiu uma retratação do presidente. Mesmo assim, os líderes da oposição no Senado – Arthur Virgílio (PSDB), José Agripino Maia (PFL) e Jefferson Peres (PDT) – avisaram que iriam boicotar a solenidade, em sinal de protesto. O presidente do STF, Maurício Corrêa, também reagiu energicamente: “Eu espero que as previsões sobrenaturais possam ocorrer. Enquanto isso, existe uma Constituição que deve ser respeitada.” Na noite da quarta-feira, num encontro na Fundação Perseu Abramo e no seu quarto discurso do dia, Lula lembrou que temos dois ouvidos e uma boca para ouvir mais e falar menos, mas fez uma autocrítica: “Penso que tenho duas bocas.”