chamada.jpg
EM CHAMAS
Durante três horas o fogo consumiu parte dos
barracões de três escolas de samba
 

Sob o calor recorde no Rio de Janeiro e em meio às precariedades de uma bancada de trabalho improvisada, a aderecista Elizabeth Oliveira, 62 anos, trabalhou sem parar durante 12 horas na quarta-feira 9. Depois de finalizar dezenas de adereços da escola de samba Portela, ela já tinha planos para mais tarde: auxiliar no acabamento dos carros alegóricos da agremiação. “Vou passar a noite no barracão da escola. Numa hora dessas a gente tem que deixar de lado a família e se jogar no trabalho”, diz ela. A hora a que Elizabeth se referia era a destruição deixada pelo incêndio, de cerca de três horas, ocorrido na segunda-feira 7, e que transformou em cinzas parte dos barracões de três grandes escolas de samba cariocas: Portela, União da Ilha e Grande Rio.

A menos de um mês do Carnaval mais famoso do mundo, o incêndio consumiu 8.200 fantasias, destruiu nove carros alegóricos e causou um prejuízo de R$ 12,8 milhões às escolas. Mas não levou o principal: a alegria e incrível determinação dos foliões. Logo após a tragédia, a dor da perda foi substituída pela solidariedade e tudo virou um bloco só. Escolas concorrentes ofereceram mão de obra para recuperação de fantasias, empresas patrocinadoras deram R$ 3 milhões para que a prefeitura repasse às agremiações e também os fabricantes de matéria-prima fizeram doações. Nunca teve tanta harmonia em torno de um enredo só no Carnaval carioca. “Diante do incêndio, chorei o que tinha que chorar, depois falei: é hora de arregaçar as mangas e refazer tudo para que o desfile seja lindo”, disse Roberto Szaniecki, carnavalesco da Portela.

img.jpg
CONTA
A polícia investiga as causas do incêndio:
prejuízo de R$ 12,8 milhões

O oferecimento de ajuda para Grande Rio, a mais prejudicada, foi proporcional às suas perdas, principalmente por parte dos moradores das proximidades da quadra, em Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. “Não sobraram nem os martelos para fazer a reconstrução”, conta o carnavalesco Cahê Rodrigues, responsável pela escola. “Mas se dependesse do povo, teríamos centenas de caxienses aqui ajudando.” A luta é contra o tempo. Dos R$ 3 milhões de ajuda em dinheiro, a maior parte vai para Caxias. As outras escolas também comemoram o samba da solidariedade. “Um fabricante de lantejoulas doou uma grande quantidade do produto para a União da Ilha”, conta Márcio André, diretor de Carnaval.

Houve até oferecimento de ajuda internacional. O presidente da italiana Fundação Carnaval de Viareggio mandou à embaixada brasileira, em Roma, mensagem na qual coloca à disposição “profissionalismo” e “energia” para tentar garantir no Rio “uma grandiosa festa”. O grupo cubano Buena Vista Social Club se propôs a fazer um show beneficente em prol da Portela. Eles se apresentaram, em janeiro, com a Velha Guarda da escola no Brasil e ficaram comovidos com a tragédia.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

A Portela também recebe muitos apoios, como o da comerciante Simone Fernandes, 45 anos, que pretendia participar do Carnaval apenas como integrante da comissão de frente da agremiação. Depois do incêndio, mudou de planos. “Fechei meu comércio e vim para cá”, diz ela, sem se importar em perder dinheiro. “Estou disposta a manter a loja fechada o quanto for preciso para ajudar.” Aderecista da Grande Rio, Gustavo Humberto da Silva, 36 anos, estava na Cidade do Samba quando o incêndio começou. “A gente dormia; acordei com o cheiro da fumaça”, recorda ele, entre lágrimas, enquanto tentava recuperar uma máquina de costura destruída. “Em meia hora estava tudo queimado de cima a baixo.” Portelense, o músico Paulinho da Viola, 68 anos, também alterou os planos. Ele ia viajar no Carnaval, mas agora vai desfilar. “É hora de unir forças pela escola”, conclamou.

img1.jpg
MÃO NA MASSA
Os integrantes das agremiações
trabalham para compensar o estrago

As causas do incêndio ainda estão sendo investigadas pela polícia e os administradores da Cidade do Samba prometem melhorar as equipes e equipamentos para combate a sinistros no local. Por causa do fogo, a Prefeitura do Rio e a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) decidiram em conjunto mudar as regras do desfile deste ano. Nenhuma escola será rebaixada e as três que tiveram fantasias e carros alegóricos queimados não passarão pelo crivo dos jurados. “O trabalho que normalmente é feito em um ano agora terá que ser feito em menos de um mês”, resume Rodrigues, carnavalesco da Grande Rio. “Não é nada fácil, mas pode acreditar: a escola vai passar belíssima na Sapucaí.” Portela e União da Ilha prometem, igualmente, ressurgir das cinzas com garra redobrada. Para as escolas, é hora de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

Colaborou: Luciani Gomes


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias