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AVATAR Em três vídeos, Ann Lee adquire três diferentes personalidades

ENTRE-TEMPOS: Uma década de arte francesa nas coleções de vídeo do Museu de Arte Moderna de Paris / MIS e Paço das Artes, SP/ de 23/4 a 28/6

Em 1999, os artistas franceses Pierre Huygue e Phillipe Parreno adquiriram os direitos autorais de uma personagem de mangá, à venda em um catálogo japonês de design de filmes de animação e videogames. Eles nomearam-na Ann Lee e colocaram-na à disposição de outros artistas, para que lhe dotassem de vidas e personalidades diversas. A personagem Ann Lee, essa espécie de "exquisite corpse" (jogo surrealista em que um artista dá continuidade ao desenho do anterior), é a protagonista de três vídeos apresentados em Entre-tempos: uma década de arte francesa nas coleções de vídeo do Museu de Arte Moderna de Paris. Ela representa bem o espírito colaborativo que animou os surrealistas franceses nos anos 1920, mas também a estética participativa de criação em rede que anima muitas produções culturais neste início de século XXI.

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PERSONAGEM Zidane é enfocado por 17 câmeras de Phillipe Parreno

Em Anywhere out of the world, de Phillipe Parreno, Ann Lee dá um depoimento sobre sua existência como personagem "desenhada para integrar qualquer história". Além das versões de Parreno, Huygue e Dominique Gonzalez-Foerster para Ann Lee, a exposição apresenta outros 18 trabalhos de artistas nascidos ou radicados na França.

Destaca-se ainda o documentário Zidane – um retrato do século 21, de Parreno em parceria com o artista britânico Douglas Gordon. No vídeo, os movimentos do jogador em campo são captados por 17 câmeras, durante os 90 minutos de partida. Uma superexposição do atleta-ídolo.

Perfil

Rodrigo Aragão: um cineasta no manguezal

O pai era mágico e dono de um pequeno cinema na cidade de Guarapari, no Espírito Santo. Aos sete anos, Rodrigo Aragão já era apaixonado por filmes e efeitos especiais, mas cresceu ouvindo que seu sonho de fazer cinema era impossível. Após anos de obstinação – trabalhando como maquiador de curtas de terror e depois dirigindo uma peça de teatro de horror -, Aragão chegou a seu primeiro curta metragem, Chupa cabra, que lhe custou R$ 300 do bolso e rendeu 80 mil visitas no YouTube.

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Aragão e (grande) elenco de Mangue negro

O sucesso inesperado reacendeu a vontade de fazer um longametragem de terror com personagens típicos do lugar onde vivia. "Sempre achei fantástico o manguezal do fundo do quintal de casa. É lindo e assustador, moradia perfeita para seres monstruosos. O cinema brasileiro retrata nossa realidade com tráfico, policiais violentos, favelas e miséria. O público nunca teve o prazer de ver personagens típicos do Brasil enfrentando monstros e alienígenas", diz ele.

Realizado em "regime de mutirão" e com direito a zumbis canibais, muita gosma e efeitos artesanais, Mangue negro estreia na Mostra Cinema de Bordas, no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, em cartaz de 22 a 26 de abril. A mostra traz à tona dez produções mambembes produzidas Brasil afora. Há desde citações a blockbusters como Rambú IV: o clone, do serralheiro amazonense Júnior Castro, até tragicomédias como O rico pobre, dirigido por Seu Manoelzinho, ex-faxineiro de cinema e pedreiro, que circula por Manteópolis (ES) de chapéu e capa, no melhor estilo caubói.

Colaborou Fernanda Assef

Circuitos no mundo

As ilhas sonham

Décima Bienal Havana / Centro de Arte Contemporâneo Wifredo Lam, Havana, Cuba/ até 30/4

Nos 25 anos de sua existência, a Bienal de Havana estabeleceu como estratégia dar visibilidade e voz ao que se produz na periferia da história da arte ocidental. Curadores, como etnógrafos, viajaram pela América Latina e Caribe, África, Ásia e Oriente Médio, pesquisando o que se produzia nas mais diferentes partes do mundo. Isso obrigou, por um lado, a pensar abordagens práticas e teóricas capazes de acolher a diversidade das manifestações visuais de diferentes culturas e, por outro, colocar-se com contundência nos debates mundiais, discutindo questões prementes à vida contemporânea. Manifestações artísticas com práticas colaborativas, contextuais, relacionais e intervencionistas tiveram destaque, antecipando discussões que viriam à tona no mainstream das artes apenas no final da década de 90.

A 10ª edição da bienal tem como tema "Integração e resistência na era global" e traz como um de seus convidados especiais o pernambucano Paulo Bruscky, com curadoria de Cristiana Tejo. Proposição interessante partindo de uma ilha que está no mundo da economia globalizada, mas resistente a esse modelo, sofrendo um embargo comercial impiedoso e mantendo-se parcialmente isolada da circulação de informação. Uma situação única: um dos últimos bastiões de um socialismo em crise em meio ao mundo que enfrenta agora também a crise do capitalismo. Uma entre tantas ilhas que povoaram o imaginário daquilo que se chamou Humanidade: a Atlântida de Platão; a ilha utópica de Morus; a solidão do isolamento (de Robson Crusoé a John Donne).

E que lugar a arte ocupa nas complexas relações de poder, em um mundo em que a política e a vida social se espetacularizam? Lugar ambíguo, decerto, tanto de aliciamento como de reflexão. Sua força está em não se deixar emoldurar: é o salto além, a abertura a sentidos e sentimentos inesperados. Eis seu desafio: exibir a diversidade e testar seu acolhimento por qualquer público, sem exclusões, resistindo tanto às homogeneidades do mercado global quando às totalidades fechadas das ideologias modernas. Sonhar humanidades por vir.

Marisa Flórido Cesar

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 Centro di Permanenza Temporanea, do albanês Adrian Paci