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FESTANÇA Adriane Galisteu não sabia, mas usou passagens da Câmara oferecidas pelo ex, o deputado Fábio Faria

A crise no Congresso Nacional não tem fim. Na última semana vieram à tona relatos de abusos na distribuição de passagens aéreas de deputados e senadores. Foi revelado que é prática comum fornecer passagens para parentes e amigos de parlamentares. O que parecia ser um vício administrativo está ganhando conotação muito mais grave. A Procuradoria da República no Distrito Federal investiga a existência de um mercado paralelo de passagens da Câmara dos Deputados. Inquérito da Polícia Legislativa da Câmara constatou que funcionários de gabinetes de deputados vendem passagens para particulares, com descontos. Ainda não se sabe o tamanho do rombo que o esquema provocou no orçamento do Congresso. Mas certamente é grande, pois em 2008 a Câmara gastou R$ 78 milhões em passagens aéreas.

Sócio da agência Morena Turismo, com sede em Brasília, Pedro Damião Pinto Rabelo revelou, ao depor no inquérito, instaurado em 2005, que "compra passagens aéreas dos parlamentares com deságio que varia de 15% a 25%". Seu depoimento faz parte da denúncia apresentada pelo MP à Justiça Federal em julho do ano passado. Ex-funcionário da Varig, Pedro foi secretário parlamentar do deputado Pompeo de Mattos (PDTRS). Ele disse ainda que "as passagens negociadas são destinadas a clientes que na sua maioria não têm nenhum vínculo com a Câmara".

Pedro preferiu não identificar os parlamentares com os quais teria feito esse tipo de transação. ISTOÉ fez contato com ele na quinta-feira 16 e perguntou se o esquema ainda está funcionando. Pedro não negou. "Você está prejudicando todo mundo na Câmara", respondeu, encerrando o diálogo com um palavrão. Pompeo de Mattos garante que não sabe quem é Pedro. "Só se foi contratado para alguma comissão. No meu gabinete, não."

A procuradora da República Anna Carolina Rezende, que investiga os gastos da Câmara com passagens, apresentou a denúncia para pedir o ressarcimento ao Erário. Pelas declarações colhidas na investigação, a procuradora concluiu que tem havido na Câmara "um verdadeiro comércio em torno das verbas destinadas aos deputados para transporte aéreo". Este esquema, diz a procuradora, só foi possível em virtude dos acordos firmados entre os parlamentares e as companhias aéreas. Por meio desses acordos, diz ela, a empresa permite a transferência de requisições de transporte do parlamentar para terceiros. Cada parlamentar teria uma espécie de conta corrente iiinas companhias aéreas.

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Outra pessoa denunciada pela procuradora foi o secretário parlamentar Marlon Melo de Araújo. Ele trabalhou com o ex-deputado Lino Rossi (PPMT), que recebia dinheiro da máfia das ambulâncias e também foi denunciado por envolvimento com o esquema de passagens. A cota de passagens do gabinete era usada para emitir bilhetes em favor da Morena Turismo, de Pedro Damião. Mesmo com o currículo manchado pelo esquema, Marlon conseguiu outro bom emprego. Segundo o Ministério Público, o secretário Marlon pode ser encontrado "no gabinete da deputada Maria Lúcia Cardoso (PMDBMG), na Câmara dos Deputados". Ex-mulher do ex-governador Newton Cardoso, Maria Lúcia não retornou a ligação de ISTOÉ, mas seu gabinete informou que Marlon não trabalha mais lá.

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DESÁGIO Operador de turismo revela que compra passagens de parlamentares com até 25% de desconto

Na sexta-feira 17, descobriu-se que o mercado paralelo de venda de bilhetes chegou a usar os nomes do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e do ministro Eros Grau para justificar a emissão de passagens emitidas em nome dos deputados Paulo Roberto (PTB-RS) e Fernando Fabinho (DEM-BA). Gilmar e Eros informaram que jamais viajaram por conta do Legislativo.

A Câmara poderia ter se antecipado aos escândalos se ouvisse seus servidores da área policial. No relatório que enviou à chefia em 2005, o agente de polícia legislativa Roberto Peixoto alertou a Coordenação de Polícia Judiciária sobre o esquema. O agente não nominou os políticos no relatório: "O episódio traz à tona a prática de atividade ilícita de venda de passagens aéreas por alguns parlamentares ao investigado Pedro."

O agente pediu que a chefia comunicasse à direção da Casa que as indenizações de passagens possibilitavam fraudes. Ele sugeriu que o dinheiro das passagens fosse depositado na conta bancária dos parlamentares, para que usassem o dinheiro como mais lhes conviessem, "preservando assim a Câmara".

Paralelamente à esfera criminal, o caso das passagens aéreas já havia se transformado em escândalo nacional. Um dos principais personagens do festival de viagens à custa do dinheiro público é o deputado-galã Fábio Faria (PMN-RN), que usou passagens da Câmara para levar sua namorada, a atriz Adriane Galisteu, e três atores ao Carnaval fora de época em Natal. No Senado o tema foi tratado com ironia.

Perguntado se namoradas podem viajar com dinheiro público, o primeirosecretário Heráclito Fortes (DEM-PI) brincou: "Se for bonita, pode." A farra se estendeu à mesa da Câmara, onde os deputados também consideram normal pagar viagens internacionais para os parentes. O segundo- secretário, Inocêncio Oliveira (PR-PE), cedeu parte de sua cota para a viagem da mulher, das filhas e da neta para a Europa e os Estados Unidos, incluindo Miami. "A família é sagrada", justificou Inocêncio. As denúncias que atingem a Câmara respingaram no Ministério de Lula. Os ministros da Integração, Geddel Vieira Lima, da Agricultura, Reinhold Stephanes, e de Relações Institucionais, José Múcio, continuaram usando as cotas de passagens da Câmara, mesmo licenciados, segundo o site Congresso em Foco.

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Na quinta-feira 16, o presidente da Câmara, Michel Temer, anunciou um corte de 20% na cota de passagens aéreas dos deputados. No Senado, a redução chegou a 25%. Mas em seguida o Senado e a Câmara baixaram normas oficializando o uso de bilhetes por qualquer pessoa indicada pelos parlamentares, inclusive parentes, e até mesmo para viagens ao Exterior. O Senado também liberou o uso da cota para fretar aviões. Fica claro que é muito difícil o Congresso cortar na própria carne. E é mais válida do que nunca a máxima do ministro Marco Aurélio Mello, do STF: "A visão que impera hoje em Brasília é de que dinheiro público não tem dono. Não é de ninguém."


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