Não houve surpresa. Quarta-feira 30, à tarde, foi anunciado o aumento de 1% para 1,25% da taxa básica de juros dos Estados Unidos. Essa era a expectativa de analistas e estudiosos. A decisão, aprovada por unanimidade pelo Comitê de Política Econômica do Fed, o Banco Central americano, tirou a taxa de seu nível mais baixo desde 1958 porque a inflação está sob controle e o nível de emprego está crescendo (em maio foram criados 248 mil empregos). Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, com a fleuma de banqueiro, dizia dias antes que o aumento – modestíssimo, por sinal – não afeta o Brasil. Não é bem assim. Nem a Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban) põe fé na afirmação de Meirelles. “Os investidores analisam os diversos mercados e escolhem aqueles que oferecem melhores condições de retorno a seu capital”, diz Roberto Luís Troster, economista da Febraban e professor titular da PUC. É um aumento pequeno, “não tão relevante assim”, diz ele, mas pode repercutir na Europa. O melhor exemplo Troster mesmo dá: “O que falamos em economês é o mesmo que acontece quando sua empregada sabe que a da vizinha recebeu um aumento de R$ 100. Ela também vai querer.”

O jornal inglês Financial Times diz que não. E diz mais: “Aqueles que desejam a adoção de medidas similares pelo Banco Central Europeu no dia seguinte poderão ficar desapontados, já que não é esperada nenhuma mudança nas taxas de juros européias.” No Brasil, porém, é certo que qualquer movimento da economia americana tem impacto. Um pronunciamento de Alan Greenspan, presidente do Fed, no final de abril, sobre a possibilidade de aumento nos juros bateu aqui imediatamente: no mesmo dia, a Bovespa caiu
2,54% e o dólar conseguiu a maior cotação daquele mês, R$ 2,93. Efeitos já conhecidos, como comentou na ocasião o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade de Campinas (Unicamp). “A economia no Brasil virou um mercado de vender fumaça. O problema da política econômica brasileira é que ela não é boa nem ruim, é inútil.”

A decisão pode atrapalhar a política brasileira de redução gradual da taxa de juros porque o rendimento das principais aplicações financeiras do mundo terá de subir para manter a mesma atratividade em relação aos papéis do Tesouro dos EUA, considerados de risco zero. Diante desse quadro, o ingresso líquido estrangeiro (ou seja, o dinheiro já descontadas a repatriação e a remessa de lucros) está caindo, ou “despencando”, como diz o professor Reinaldo Gonçalves, economista-chefe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O que significa um aumento da taxa de juros americana na economia brasileira? “O fluxo do investimento toma outro rumo”, diz. Resta uma armadilha para a frágil economia do País: ou o dinheiro sai ou os juros aumentam.

Um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), divulgado em junho, confirma o que diz o professor Gonçalves e constata que, “com apenas US$ 207 milhões de investimento direto estrangeiro no mês de maio, o Brasil não deverá repetir em 2004 nem mesmo o baixo valor registrado em 2003 (US$ 10.144 milhões)”. A fonte da afirmação é o próprio Banco Central, cujos dados mostram que, após um início de ano no qual o investimento estrangeiro dava sinais de grande recuperação, desde março uma vigorosa e progressiva queda passou a ser a tônica. O valor de maio foi significativamente pior do que o do mês de abril (US$ 381 milhões), que, por sua vez, ficou muito aquém do valor do mês de março (US$ 703 milhões), este sendo muito menor do que o correspondente a fevereiro (US$ 993 milhões). A expectativa em relação à trajetória da taxa de juros dos Estados Unidos – ao lado da economia chinesa e do aumento dos preços do petróleo – desempenhou papel importante nesse verdadeiro tobogã do investimento estrangeiro.

Mas, também segundo o Iedi, o Brasil está retardando excessivamente o relançamento de sua economia, que de fato vem se recuperando desde meados de 2003, mas de maneira lenta, que ainda não acena com um horizonte de crescimento de longo prazo capaz de estimular os investimentos de uma forma geral e, em particular, os investimentos de origem externa. Um outro entrave é o atraso na área de regulação e atração de inversões que envolve setores vitais da infra-estrutura, o que tampouco incentiva investimentos internos ou externos. O próprio Fed alertou sobre o risco que pode atravessar o caminho das economias emergentes: as taxas básicas vão continuar subindo moderamente. Devagar e sempre.