Repleto de adultos recém-alfabetizados, o Teatro Plácido de Castro, na capital do Acre, Rio Branco, quase veio abaixo com a leitura do bilhete escrito pela dona-de-casa Sebastiana Costa para o marido: “Manoel, eu fui para aula. Se quiser comida esquente. Foi eu que escrevi.” Atordoada com os aplausos, a franzina Sebastiana desceu do palco com a cabeça baixa e os ombros encurvados. Casada há 30 anos e mãe de oito filhos, ela só descontraiu um pouco quando a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comentou que o bilhete não precisava ser interpretado como um desaforo, embora passasse um sentimento de libertação. Alfabetizada apenas aos 17 anos, a ministra Marina conhece como poucos o drama daqueles que não são capazes de decifrar o letreiro de um ônibus ou de rabiscar uma simples mensagem. Sebastiana, por sua vez, é uma das 25 mil pessoas que aprenderam a ler e escrever no Acre desde meados de 2003, quando foi lançado o Alfa 100, um programa destinado a erradicar o analfabetismo no Estado em três anos.

Como uma das evidências de que a pessoa está alfabetizada é a capacidade de escrever uma mensagem, o Alfa 100 acabou
trazendo à tona bilhetes emocionantes. Do filho contando à mãe a emoção de pegar ônibus sozinho ao pai que envia notícias à família distante. Tem de tudo um pouco. Até os cartazes para a cerimônia de passagem para a segunda etapa do projeto, no Teatro Plácido de Castro, foram inspirados na produção de uma aluna, Maria de Nazaré Ferreira, também dona-de-casa. “Tô feliz. Sei ler e escrever”, registrou Maria de Nazaré em bilhete endereçado ao presidente da República.

Com um total de 600 mil habitantes e 90% do território coberto por florestas, o Acre tem ainda 35 mil moradores a serem alcançados pelo programa. Mais da metade está matriculada para as atividades do segundo semestre. Consciente da realidade local, o governador Jorge Viana (PT) acredita que, a cada etapa, o programa enfrentará mais dificuldades para atingir os moradores. Para facilitar o acesso aos ribeirinhos e a regiões inóspitas, os educadores do Alfa 100 vão contar nessa nova fase com 30 motocicletas, 22 barcos e três caminhonetes com tração nas quatro rodas. Os equipamentos foram adquiridos com recursos de duas empresas parceiras do Estado na empreitada – a Pirelli e a Tim –, que estão investindo R$ 4,5 milhões no programa. Do pacote ainda fazem parte 44 tendas que, a partir do mês que vem, abrigarão salas de aula em lugares sem infra-estrutura escolar.

Além das barreiras geográficas, existem outros tipos de resistência para acabar
com o analfabetismo, como a idade avançada e os problemas visuais. Dos
R$ 12 milhões orçados para todo o projeto, R$ 2 milhões se destinam a exames médicos e à compra de óculos. “A educação está na base de nosso projeto para o desenvolvimento do Acre”, diz o governador. “Vamos apelar às igrejas que nos ajudem no trabalho de convencimento sobre a importância da alfabetização.”

Originária do seringal Bagaço, onde nasceu a ministra Marina, a viúva Maria das Graças da Silva conta que também tentará arrebanhar novos alunos. Aos 43 anos, Maria das Graças se prepara para começar um outro curso, visando aprimorar
o que aprendeu no Alfa 100. Como no primeiro semestre, terá a companhia de
um de seus oito filhos, o pedreiro Carlos Alberto. “Ainda estou complicada na leitura, mas fiquei muito mais esperta”, compara. Líder comunitária, ela conta com visível orgulho que agora prepara até a relação das crianças a serem batizadas. “Antes, faltava letras”, diz.

Um dos maiores entusiastas do Alfa 100, o italiano Giorgio della Setta, presidente
da Pirelli América Latina e integrante do conselho da Tim na Itália, atravessou o
País para participar da festa das letras em Rio Branco. “Tenho um compromisso emocional com o Acre”, confidenciou. Seu primeiro contato com a região ocorreu
em 1997, quando a então senadora Marina Silva o procurou, pedindo que a
Pirelli ajudasse os seringueiros, vítimas de intermediários gananciosos na comercialização da borracha. A alternativa de comprar a matéria-prima diretamente do produtor, a preço de mercado, representou grande melhoria de vida nos seringais. Implicou também um vínculo cada vez mais estreito do executivo italiano com o desenvolvimento sustentável do Acre, incluindo aí o Alfa 100, que também tem o apoio da Fundação Banco do Brasil e do chamado sistema S – Senai, Sesc e Sebrae. Se depender dessa turma, num futuro próximo o Acre passará uma borracha no analfabetismo.