Vencer uma doença com o uso de uma simples pílula é um sonho antigo, mas, em muitos casos, algo difícil de ser alcançado. Porém, a expansão do conhecimento sobre o corpo humano, a criação de tecnologias e uma inesgotável vontade de buscar novas saídas para velhos problemas têm proporcionado o surgimento de remédios mais potentes, sofisticados e com menos efeitos colaterais. A oferta desses produtos está gerando um ganho de vida – em tempo e em qualidade – nunca antes visto. Eles contribuem para elevar as chances de cura do câncer, reduzir a ocorrência de infartos e para baixar as taxas de mortalidade da Aids. Só para falar de três grandes inimigos da saúde.

Muitos desses medicamentos representam revoluções no tratamento das
doenças. Em certas situações, a droga divide a história do combate a uma determinada enfermidade em antes e depois dela. Foi assim, por exemplo, com a penicilina – o primeiro antibiótico – e a luta contra as infecções. Nesta semana, mais um representante do time dos super-remédios será discutido em um encontro a ser realizado em Estrasburgo, na França. O Niaspan (ácido nicotínico ou niacina) é o primeiro medicamento criado para aumentar um tipo de colesterol, o HDL. Isso é importante porque essa fração é do bem. Ela “limpa” as placas de gordura dos vasos sanguíneos. Por isso, é conhecida como o bom colesterol. Pesquisas mostram que a nova droga consegue elevá-la em 30%. Até agora, a melhor estratégia medicamentosa para controlar as taxas de colesterol era a estatina. Embora eficaz, essa classe de remédios tem ação principal sobre o LDL, o mau colesterol (ele se deposita nas paredes das artérias, prejudicando a circulação sanguínea).

Ter à disposição um remédio voltado para a elevação do bom colesterol é importante, porque estudos têm demonstrado que em diversos casos de infarto o LDL estava controlado, mas o HDL estava em baixa. Ou seja, o correto é manter os dois tipos de colesterol dentro dos níveis preconizados pelos médicos. “A niacina vem para ser tomada em conjunto com a estatina. Dessa forma, o risco de doenças cardiovasculares se reduz muito mais”, diz o cardiologista Raul Dias dos Santos, do Instituto do Coração (InCor). Na verdade, o benefício dessa substância já era conhecido. O problema é que a forma de ação da niacina que estava no mercado causava efeitos colaterais como rubor e coceira, além de afetar o nível de açúcar no sangue. O medicamento foi modificado pelo laboratório (Merck) e chegará este ano em parte da Europa numa formulação de liberação gradual que garante a eficácia sem causar os mesmos problemas. O remédio já está presente nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Alemanha e vai desembarcar no Brasil em 2005. Dentro de cinco anos, os pacientes também deverão contar com outra droga que aumentará o HDL: o torcetrapib, que está sendo desenvolvido pelo laboratório Pfizer.

A criação de remédios como esses é um trabalho que exige conhecimento
profundo do corpo humano e o uso de uma tecnologia bastante refinada. Em
média, levam-se 14 anos, da idéia à produção, até que ele chegue às prateleiras. Apesar da complexidade, a velocidade dos lançamentos de produtos farmacêuticos tem crescido nos últimos tempos. Dados da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) mostram que na década de 60 um medicamento mantinha-se no mercado como o único de sua categoria por cerca de 12 anos. No final dos anos 80, com o incremento da pesquisa para encontrar drogas contra a Aids, esse tempo caiu para quatro anos. Essa corrida para oferecer drogas diferenciadas está sustentada em investimentos de grande porte. Para este ano, por exemplo, a Bristol Myers-Squibb reservou US$ 2,5 bilhões para pesquisa. A Pfizer separou US$ 7,5 bilhões para desenvolvimento de novos produtos.

Hoje, o sonho das companhias farmacêuticas é fabricar remédios que sejam fenômenos de venda. Criar um produto contra a gripe, por exemplo, seria retorno certíssimo de investimentos. No entanto, apesar de muito desejado e pesquisado, esse tipo de medicamento ainda não existe por causa de dificuldades como a grande capacidade de mutação do Influenza, o vírus causador da doença. O mesmo obstáculo impede, por enquanto, o desenvolvimento de um único remédio para acabar com o HIV, o vírus da Aids. “É preciso muita energia, esforço e dinheiro para conseguir algo que funcione bem. É uma pesquisa de risco”, afirma Ricardo Diaz, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “O grande medicamento pode ser descoberto a qualquer minuto, mas exige investimento contínuo e pesado”, completa Elaine Maia, professora da Universidade de Brasília e especialista na criação de novas moléculas.

Até por essas dificuldades, uma forte aposta das empresas é aprimorar drogas
que já se mostraram eficientes e seguras. Um dos objetivos é diminuir o número
de vezes em que se toma um remédio. Quanto menos vezes o paciente precisar tomar o medicamento, menos chance ele tem de se esquecer ou mesmo de se cansar do tratamento. Um exemplo dessa nova safra de produtos é o antibiótico Cipro XR (ciprofloxacina). Indicado para infecção urinária, pode ser tomado uma
vez por dia. É um ganho considerável. Em geral, as medicações precisam ser ingeridas de duas a quatro vezes por dia, dependendo do antibiótico. “Isso me-
lhora a adesão ao tratamento”, afirma o urologista Álvaro Sarkis, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo.

Outra tendência importante que segue o princípio de facilitar o tratamento são os remédios que associam substâncias. Em vez de usar duas medicações para o mesmo problema, toma-se apenas um comprimido. Essa estratégia tem sido muito adotada no controle da hipertensão. Em casos moderados e graves, normalmente o paciente é obrigado a tomar mais de uma droga. Mas já existem vários produtos que unem dois compostos numa mesma cápsula, como o Micardis HCT (telmisartam e hidroclorotiazida) e o Sinergen (besilato de anlodipino e maleato de enalapril). O técnico em eletrônica René Blum, 67 anos, de São Paulo, faz uso do Sinergen. “Nunca mais tive problemas”, conta. Ele é responsável pelo centro de transmissão da Rede Bandeirantes, onde foi fotografado na torre. É claro que o uso de remédios combinados não é para qualquer paciente. “Nesses medicamentos, as doses são padrões. Não dá para mexer nelas. Se o paciente precisa de uma dose diferente, é preciso usar remédios separadamente”, explica José Carlos Nicolau, diretor da Unidade Clínica de Coronariopatia do InCor.

Dentro dessa categoria de drogas,
outra novidade são os remédios que associam princípios ativos indicados contra problemas distintos. De uma
vez, combate-se mais de um inimigo.
O Diocomb, por exemplo, contém compostos contra hipertensão e para controlar o mau colesterol. Nos próximos anos, espera-se a chegada de mais remédios do gênero. Um deles é o Caduet, que também vai unir num único comprimido substâncias anti-hipertensivas e anticolesterol.

Polivalente – A oferta de tantas e sofisticadas drogas está possibilitando o aparecimento de um gênero muito peculiar e cada vez mais numeroso de remédios: os multiuso. São produtos criados para determinada finalidade, mas que, com o tempo, mostram-se também eficazes para outras doenças. A Aspirina (ácido acetilsalicílico) é um caso clássico. Criada em 1897 como analgésico, hoje é indicada para doenças cardiovasculares porque previne a formação de coágulos que podem entupir os vasos sanguíneos. Além disso, estão em andamento estudos para verificar seus efeitos sobre o câncer e a diabete, entre outros males.

Os exemplos de drogas polivalentes são muitos. O efeito das estatinas, que tratam o colesterol, está sendo estudado em diversas patologias como o mal de Alzheimer (enfermidade caracterizada por distúrbios de memória e demência) e a osteoporose (doença que fragiliza o osso). E há indicações de que o Xenical (orlistat), contra a obesidade, diminui o risco de doenças cardiovasculares, além de ajudar contra a diabete tipo 2 (adquirida). “Ele é importante na medida em que auxilia o paciente a emagrecer”, afirma o médico Simão Lottenberg, coordenador da Liga de Diabete do Hospital das Clínicas de São Paulo. Como a diabete tipo 2 está relacionada à obesidade, é importante que o paciente emagreça. Quanto menos gordura, menos resistência à insulina, o hormônio que abre as portas das células para a entrada da glicose e que na diabete é produzido ou absorvido de forma inadequada. Quanto ao benefício cardiovascular, também há uma associação com a obesidade, um dos fatores de risco para doenças cardíacas. O orlistat apresenta ainda outra ação, sobre o colesterol, já que diminui a absorção de gordura. Assim, contribui para a redução da substância no sangue.

Outro que entrou para a categoria dos mil e uma utilidades é o Topamax (topiramato). Usado para epilepsia desde 1997, o remédio foi indicado em janeiro contra a enxaqueca. A professora Lindalva Campbell, 63 anos, sofria com fortes crises. “Tomava todos os analgésicos e não adiantava”, lembra. Ela usou o produto durante quatro meses e está aliviada. As crises graves acabaram e quando sente dor recorre a um simples analgésico. O topiramato ainda está sendo investigado para obesidade e alcoolismo (ele diminuiria a compulsão por comida e álcool).

Para os próximos anos, a ciência e as indústrias reservam mais surpresas. Em todo o mundo há centenas de drogas em pesquisa. Segundo a Interfarma, há 19 remédios em desenvolvimento para o mal de Alzheimer, nove para disfunções sexuais, 19 para diabete, 15 para problemas de pele e outros 11 para a Aids (um deles é o tipranavir, desenhado para pacientes nos quais o HIV está resistente a outras substâncias). Muitos medicamentos em estudo pretendem tratar enfermidades relacionadas ao envelhecimento – caso do Alzheimer e do mal de Parkinson – e ao estilo de vida, como a obesidade e o fumo. Entre eles estão o Acomplia (rimonabant), que atuaria sobre esses dois problemas, e o varenicline (sem nome comercial), projetado para ajudar o paciente a deixar de fumar.

Negócio – Estas são escolhas certeiras da indústria. Com o progressivo envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida, é natural planejar desde agora mais opções de tratamento a enfermidades típicas da velhice. Assim também como é um bom negócio investir em produtos que cuidem de males relacionados aos péssimos hábitos de vida da população, como fumar e comer demais. O problema é que essa opção joga para segundo plano a criação de drogas para as chamadas doenças de países pobres, como a malária e a tuberculose. “As empresas querem descobrir medicamentos que atendam às necessidades da população que pode pagar por eles”, afirma o biólogo Otávio Nóbrega, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Católica de Brasília. Outro empecilho é que algumas dessas jóias têm preço salgado (uma das justificativas seria o alto custo empregado no seu desenvolvimento). A professora Lindalva, por exemplo, que usou o topiramato para as crises de enxaqueca, só se beneficiou do produto porque na época o recebia de graça. Ela participava de um grupo de estudo que testava a droga. Agora, se precisar recorrer ao remédio, deverá desembolsar em média R$ 300 por uma caixa de 60 pílulas. “Vou tentar parcelar”, diz.

De qualquer maneira, a busca por novas alternativas de medicamentos revoluciona não só os tratamentos. Ela também pode ajudar a resgatar o senso de observação dos médicos. “Muitas vezes, é a partir do acompanhamento cuidadoso dos pacientes ou da percepção de detalhes nas experiências de laboratório, o que exige tempo, que se descobrem outras funções de uma substância”, diz João Massud, do Departamento de Medicina Farmacêutica da Unifesp. Para incentivar o exercício da atenção, o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos anunciou na semana passada um programa para preencher essa lacuna. “O instituto quer criar condições para que os médicos trabalhem sob menos pressão e levem suas observações clínicas para o laboratório e vice-versa”, explica o brasileiro Júlio Licínio, da Universidade da Califórnia e convidado do NIH para avaliar projetos para o programa. A intenção é formar especialistas com capacidade para perceber, por exemplo, que o efeito colateral de uma substância pode ser promissor. Foi assim, da análise de uma reação inesperada de um medicamento cardiovascular, que nasceu o primeiro remédio a favorecer a ereção, o Viagra.