Presidente dos Correios assume cargocom a missão de aumentar o lucro eexpandir função social de uma dasmaiores estatais do País

O presidente da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), João Henrique de Almeida Sousa, assumiu o cargo em março com uma dura tarefa nas mãos: ampliar os lucros da empresa, encerrar de vez as disputas por cargos e brigar com a concorrência cada vez mais acirrada, interessada em abocanhar ilegalmente a fatia mais nobre do mercado privativo da ECT: o das cartas e telegramas postados nos grandes centros urbanos. Tudo ao mesmo tempo e no comando de uma máquina impressionante: 105 mil funcionários, 50 mil carteiros, 45 milhões de entregas diárias em todo o País. João Henrique, que já foi ministro dos Transportes na gestão FHC e é um experiente quadro do PMDB – foi deputado pelo Piauí, tem nas mãos uma coleção de produtos inovadores para enfrentar o desafio. Na terça-feira 6, ele recebeu ISTOÉ para a entrevista que se segue.

ISTOÉ – O lucro da ECT caiu no ano passado. Como o sr., que assumiu este ano, pretende lidar com isso?
João Henrique de Almeida Sousa

O resultado líquido caiu de R$ 406 milhões em 2002 para R$ 288 milhões em 2003. A explicação está na queda do PIB, que tem uma relação muito próxima com a movimentação de objetos postais. Quando há diminuição do ritmo econômico, automaticamente há uma redução no número de objetos que são postados. Tanto é verdade que, com a retomada da atividade econômica que já se faz sentir, os números começam a melhorar. Mas estamos trabalhando para estancar o decréscimo que ocorreu nos últimos dois anos. É a recomendação diária do ministro Eunício (Oliveira, das Comunicações). Precisamos crescer nossas receitas – estamos lançando novos produtos no mercado – e controlar despesas. Há uma preocupação muito grande do ministro para que possamos alavancar a estrutura dos Correios como um todo.

ISTOÉ – Em quais nichos o sr. pretende fazer os Correios crescerem?
João Henrique de Almeida Sousa

Nós temos o monopólio do envio de carta, telegramas e encomendas, mas essa parte corresponde a 50% das nossas receitas. A verdade é que hoje nós somos uma grande empresa de serviços. Temos uma variedade enorme de produtos. Por exemplo, fazemos toda a operacionalidade de empresas como a Natura: recebemos, estocamos e distribuímos. A família de produtos Sedex, que é um sucesso, será ampliada. Temos o Sedex normal, o Sedex 10 e vamos lançar o Sedex hoje, que permitirá a entrega até as 18h do mesmo dia de encomendas postadas até 11h. Dentro dessa família, no mesmo dia, vamos lançar ao mesmo tempo o Sedex Mundi, um produto que vai alcançar 214 países. É praticamente todo o globo. Hoje nós entregamos a encomenda ao correio do país de destino, que, por sua vez, faz a entrega ao destinatário. No caso do Sedex Mundi, teremos uma parceria com uma empresa estrangeira, a TNT Express, que vai nos permitir ser bem mais ágeis.

ISTOÉ – Como a ECT está explorando o mercado das transmissões eletrônicas?
João Henrique de Almeida Sousa

É prioridade do ministro Eunício avançar na implantação do correio híbrido postal, um produto que envolve alta tecnologia, que conjuga meios eletrônicos com os serviços tradicionais de entrega. Por exemplo, pode-se fazer a impressão da revista ISTOÉ no Amazonas. O material vai pelo correio eletrônico e a impressão é feita lá. Elimina-se a viagem da revista no avião. É um produto que já existe nos grandes correios do mundo. Nesse caso, nossos clientes em potencial são as grandes corporações. Nessa mesma linha, o nosso telegrama já se modernizou ainda mais. Desde o ano passado, já é possível passar o telegrama de casa, pelo telefone ou pela internet, pagando por cartão. O telegrama chega ao destino de forma eletrônica, onde é envelopado mecanicamente – para preservar o sigilo – e entregue pelo carteiro ao destinatário. Ou seja, o que era eletrônico vira papel. Também vamos implantar o Vale Internacional Eletrônico. São transações eletrônicas destinadas aos brasileiros residentes no Exterior. Estamos nos consorciando com a Eurogiro, uma empresa estrangeira com sede em Bruxelas especializada em transações em dinheiro. O contrato já está assinado e pretendemos lançar este produto no final do ano.

ISTOÉ – Como vai funcionar isso?
João Henrique de Almeida Sousa

Remessas de dinheiro enviadas pelo correio vão chegar em 24, 48 horas. Hoje demora bem mais. A tarifa que cobraremos será extremamente menor do que a cobrada quando a remessa vem por estruturas bancárias. Hoje, o custo via banco é de no mínimo US$ 30, chegando a 15% do valor a ser transferido. O nosso Vale Postal Internacional Eletrônico vai custar US$ 7. Hoje, os Correios já atendem a uma clientela. São cerca de oito mil remessas mensais, no valor médio de US$ 300. Ou seja, mesmo sendo mais demorado, as pessoas utilizam o nosso vale postal normal, pela confiança que têm nos Correios. Estamos falando de US$ 2,4 milhões por mês, valores relativamente pequenos para o potencial desse mercado. Já estamos em operação experimental com Portugal. Pretendemos estender o serviço a 130 países já em agosto deste ano.

ISTOÉ – A Caixa Econômica também está disputando esse nicho.
João Henrique de Almeida Sousa

O viés é diferente. A CEF possivelmente deve fazer um trabalho mais econômico e nós somos hoje o grande prestador de serviços neste país. Cada um está buscando o seu mercado. A preocupação do presidente Lula e do ministro é atender aos brasileiros da melhor forma possível, onde quer que estejam. Também estamos ampliando o Importa Fácil à comunidade científica. Já são dez mil cientistas inscritos no CNPq utilizando esse serviço. No caso do Exporta Fácil, só faltam alguns ajustes para ampliarmos o valor-limite das remessas de US$ 10 mil para US$ 20 mil, beneficiando micro e pequenas empresas exportadoras de produtos variados, como artesanato, jóias e livros. É um produto que permite a remessa de artigos sem burocracia. Temos até o caso de uma empresa de São Paulo que exporta roupas para animais para o Japão por intermédio desse serviço.

ISTOÉ – O aumento de despesas contribuiu para o resultado do ano passado?
João Henrique de Almeida Sousa

Temos uma preocupação com o crescimento de obrigações de natureza legal, como o aumento da Cofins. Estamos dialogando com a Receita Federal no sentido de tentar minimizar este impacto, que, no nosso caso, chegou a R$ 20 milhões mensais. A idéia é tentar reduzir o tributo incidente sobre parte das operações integrantes do monopólio, como cartas e telegramas, pois uma parcela significativa desses serviços não tem retorno financeiro. Por exemplo, entregas no interior do Amazonas, do Piauí. De qualquer forma, vamos trabalhar para ampliar os ganhos com serviços e compensar essa despesa extra.

ISTOÉ – Qual a meta de lucro?
João Henrique de Almeida Sousa

Não quero anunciar números, mas o objetivo é superar o resultado de 2003, mesmo com o aumento de custos. Os Correios estão bem aparelhados, tem funcionários de excelente nível e dedicados, que já provaram ser capazes de dar resposta imediata a cada meta ou desafio.

ISTOÉ – Já que a meta é ganhar mercado, é de se prever que a briga com empresas que tentam trabalhar no ramo de entregas vai aumentar.
João Henrique de Almeida Sousa

Vai. Em muitos casos, trata-se de uma concorrência desleal. São empresas que tentam operar em um nicho privativo dos Correios. Trata-se de uma atividade ilegal, porque a entrega de cartas e telegramas, por exemplo, é privativa dos Correios. Entregar uma mensagem que, no fundo, é um telegrama disfarçado, entregar extratos bancários, que são enquadrados como cartas, é desobedecer a lei. Essas empresas podem até oferecer um trabalho tido como mais barato, porque não têm a nossa estrutura, mas também não têm a nossa garantia. É uma empresa de natureza ilegal.

ISTOÉ – Esses empresários costumam argumentar que têm o direito de concorrer, que o monopólio protege os Correios.
João Henrique de Almeida Sousa

A questão é que essas empresas só querem atuar no chamado filé do mercado, como grandes centros metropolitanos. Não querem oferecer serviços nos locais de mais difícil acesso, como nós fazemos. O monopólio dos Correios é importante porque ele nos permite reinvestir em atualização tecnológica e prestar um serviço postal de excelência no País todo. Eu compenso o custo de entregar uma carta no interior do Piauí ou do Amazonas cobrando uma tarifa baixa com o que eu ganho para entregar um pacote em um local mais próximo. Os Correios têm um objetivo social grandioso. O presidente Lula foi enfático no sentido de que os Correios são um braço da atividade social do governo, importante para a cidadania. Em vários municípios do Brasil, a representação federal que existe são os Correios. É o órgão federal que está presente ali.

ISTOÉ – Em que outras áreas os Correios vão brigar com a concorrência?
João Henrique de Almeida Sousa

Estamos vendendo um pacote absolutamente completo de
serviços a cada Tribunal Regional Eleitoral. Entregaremos das urnas e documentos ao cafezinho e lanche dos mesários. São 13 mil pessoas 300 embarcações, oito aviões e dois helicópteros envolvidos nesse projeto. Conseguimos preços 20% a 40% mais baixos que os do mercado de transportadores locais. Já fechamos com Ceará e Mato Grosso. No caso dos demais, estamos em negociação avançada.
Até o momento, só o TRE do Amapá não mostrou interesse, mas eu vou entrar pessoalmente nesse circuito.

ISTOÉ – Seu antecessor enfrentou uma série de polêmicas com nomeações de cargos. Como o sr. está lidando com esta herança?
João Henrique de Almeida Sousa

Encontrei dificuldades onde a disputa política estava extremamente acirrada. Eu chamei e conversei com cada um. Em alguns casos não foi preciso substituir o diretor. Bastou chamar a atenção para o fato de que, em primeiro lugar, a empresa tem que dar resultados. Há um manual de pessoal que tem que ser seguido. Tínhamos, por exemplo, um problema no Rio Grande do Sul. Não foi preciso substituir o rapaz.

ISTOÉ – E com as indicações políticas?
João Henrique de Almeida Sousa

Respeito todas as lideranças, em especial as ligadas ao PT. Estamos em um governo de coalizão, em que todos os espaços têm que ser divididos. Isso se reflete na diretoria geral – temos diretores do PT, PTB e PMDB – e nas diretorias regionais. O que eu exijo, independentemente de partido, é que façam como eu fiz desde o dia em que tomei posse: vestir a camisa dos Correios, ser ecetista, defender a empresa e ter competência na gerência. Se não tiver competência gerencial, o partido vai substituir. Se, em uma determinada região, as coisas não andam bem, eu chamo o padrinho do cidadão e digo: “Olha, vou ter que mudar.” Eu tenho que dar resultados. E até agora, não tive nenhuma dificuldade.

ISTOÉ – Surgiram acusações de que a administração passada teria nomeado pessoas incapazes. Isso é verdade?
João Henrique de Almeida Sousa

A primeira coisa para a qual me chamaram a atenção quando cheguei aqui foi: pegaram um carteiro e nomearam diretor. Tratava-se do diretor de Mato Grosso do Sul. E a verdade é que ele está indo bem. As pessoas olham a figura do carteiro, imaginam que é uma pessoa que pode ter despreparo intelectual. Poucos sabem que os carteiros precisam ter nível médio e vários deles, ao longo do tempo, adquirem formação superior. É o caso deste diretor. Agora, tenho dito: gestor é uma coisa, liderança sindical é outra. Os objetivos são separados, independentemente de amizade pessoal. Chamei cada diretor aqui, tive uma conversa, e tudo está indo bem.

ISTOÉ – O sr. falou do papel social dos Correios. Nessa área, o que a ECT está fazendo de especial?
João Henrique de Almeida Sousa

Um dos projetos mais importantes é o Banco Postal. O governo Lula deu uma nova prioridade a este produto, que deve ser instalado prioritariamente nas cidades onde não há agência bancária. Somos correspondentes de um banco privado, selecionado por licitação (o Bradesco). Neste serviço, é possível abrir contas, fazer remessas, retirar talões de cheque, fazer saques e depósitos, tudo nas agências dos Correios. A operação é toda nossa. O contrato inicial prevê a instalação do Banco Postal em 5.299 agências. Vamos cumpri-lo até 30 de julho, um mês antes do prazo. Estamos discutindo a possibilidade de ampliação do serviço para agências franqueadas dos Correios, o que elevaria a rede em mais 1.700 agências.