Não faltam motivos para odiar o ator Paulo César Peréio. Lembrado pelo talento destilado em filmes como Lúcio Flávio – o passageiro da agonia (1971) – em que ele detestou ter atuado –, A lira do delírio (1978) e Eu te amo (1985), além de várias novelas, o gaúcho também é conhecido pelos momentos de irritação. O ator e diretor Hugo Carvana recorda que quando visitou um bar gerenciado pelo colega, ele veio à mesa, bebeu todo o uísque e ainda cobrou pela bebida. “Fiquei com muito ódio”, conta Carvana. Uma de suas ex-mulheres, a atriz Cissa Guimarães, contabiliza os dissabores que enfrentou por conta de seu estilo outsider, que o levava a andar sem documentos e tornava cada diversão um tormento. “Eu sonhava com o dia em que seria apenas amiga dele porque não teria que levá-lo para casa”, brinca Cissa. Outro que faz uma lista das aprontadas de Peréio é o jornalista e escritor Fausto Wolf. “Ele representou tantos papéis de vilão no cinema que passou a vivê-los na vida real.” Tamanhas confusões inspiraram o diretor e roteirista de cinema Allan Sieber a rodar o documentário Peréio, eu te odeio, que já virou cult antes mesmo de estrear, tal a fila de fãs do seu estilo beatnik cavernoso de ser.

O título, claro, é pura ironia, já que o ator de voz inconfundível atrai ódio e amor na mesma proporção. “Ele é um amigão”, absolve Carvana. “É um homem culto, sem medidas, meio fênix”, elogia Cissa. Sieber também se derrete: “Peréio é meu ídolo.” A ambiguidade de sentimentos é explicada pelo próprio: “Criei certa mitologia quanto ao meu comportamento pessoal. Isso é uma faca de dois legumes, para o bem e para o mal.” Agora, talvez para afastar um pouco a aura udigrudi, o ator está de volta à televisão como apresentador do programa de entrevistas Sem frescura, que estréia na terça-feira 13, às 23h, na emissora fechada Canal Brasil.

Estilo naturalista – Nas primeiras edições, o atual apresentador e respectivos entrevistados conversam sentados ao ar livre, nos jardins do estúdio. Em alguns momentos, Peréio leva seu estilo naturalista às últimas consequências, como na gravação com o cantor e compositor Lobão. A certa altura, a diretora Lara Velho (sua filha) interrompeu a sequência por causa de um avião que passava ruidosamente pelas proximidades. Peréio questionou: “Precisa mesmo parar só por causa disso?” Paciente, Lara não vê nenhuma complicação em dirigir o próprio pai. “Aqui somos profissionais, a intimidade não atrapalha em nada.” Ironicamente, o programa de estréia tem Cissa Guimarães como convidada. A escolha estratégica serve para sepultar as desavenças do passado, como o episódio ocorrido há dez anos, quando ela processou o ex-marido por não pagar a pensão dos filhos (um deles é João Velho, ator de Malhação) e Peréio acabou preso. “Não fui eu quem pediu sua prisão, apenas o processei e a Justiça decidiu. Estamos bem há muito tempo, mas a imprensa ignora. Prefere o sensacionalismo”, diz ela. O clima descontraído da entrevista comprova as palavras de Cissa, que por várias vezes agradece a influência dele sobre sua vida artística e pessoal.

Paz e amor – Não esperem, contudo, que a fase paz e amor aplaque de vez a fera Paulo César Peréio. Logo na estréia de Sem frescura, ele usa a velha forma para responder à atriz Marisa Orth, que no programa Saia justa o classificou de dependente químico. “Aquele é um programa de merda, o pior da tevê brasileira. O que a Marisa Orth disse é um absurdo, fica ruim para ela, que sujou a própria barra, se tornou uma alcaguete.” Mas esse é um dos poucos momentos em que ele se inflama. Na maior parte do tempo aparece bem calmo, muito diferente do personagem que protagonizou histórias tresloucadas, entre elas a descrita pelo cartunista e cronista Jaguar. “Anos atrás, quando ele ainda gostava de um fuminho, subiu o morro do Pasmado, no Rio de Janeiro, para comprar um pouco e deixou o carro mal estacionado. O automóvel acabou despencando e caiu na entrada do túnel do Pasmado.” Depois deste episódio, os moradores do morro construíram uma espécie de contenção sobre o túnel e o apelidaram de Pára Peréio. “Só que ele é talentoso, inteligente, indestrutível”, desmancha-se Jaguar.

Para os detratores, o ator avisa que tem participado de vários curta-metragens e que acabou de rodar o longa Harmada, de Maurice Capovilla. Aos 65 anos, após atravessar várias fases do cinema brasileiro, ele se mostra simpático à produção atual. Só discorda dos que reclamam que os filmes mais recentes sigam uma estética televisiva. “Bobagem. Para que aconteçam as coisas marginais é
preciso que haja o leito do rio.” Também elogia o nível da televisão brasileira
e acha positivo que tantos integrantes da classe média agora valorizem a profissão de ator. “Hoje, vejo grã-fina querendo que a filha seja atriz da Rede Globo. Há 15 anos isso não era assim, éramos malvistos.” Imagine, então, na época da juventude, passada na cidade interiorana de Alegrete. “Arte era coisa de mulherzinha.” Vencidos tantos preconceitos e barras pesadas, eis Paulo César Peréio renascido e cheio de planos. Além do talk show Sem frescura, já pensa em montar no teatro a Ilíada, de Homero. “Se meu comportamento pessoal diferenciado me tornou cult, vou tentar reverter isso a meu favor”.