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Há quem diga que o bom repórter está sempre procurando na direção oposta à do foco de luz. Enquanto veículos de comunicação e seus consumidores ainda tentavam administrar seus fantasmas e preconceitos diante da intrigante figura de Laerte, o festejado cartunista que subitamente saiu de um armário diferente e pouquíssimo conhecido, revelando sua opção por passar a se vestir, maquiar e pentear como uma mulher, o então repórter especial e agora diretor de redação da Trip, Bruno Torturra, batia numa porta bem longe dali. Ele mesmo um dos primeiros a colher os depoimentos e a reportar a atitude de Laerte, que, do alto de sua absoluta lucidez e elegância, vem delicadamente afrontando as convenções e questionando os limites entre gêneros e alargando a percepção que temos da amplitude e da diversidade dos nossos comportamentos, preferências e orientações sexuais, achou por bem ouvir algumas indicações que apontavam na direção de uma figura ligada ao cartunista, bem menos famosa, mas não menos incomum e interessante. Depois de alguns levantamentos, Bruno chegou a uma intelectual, bióloga, doutora em sociologia da ciência, formada pelas melhores instituições do País. Marilia Coutinho, hoje com 47 anos, aos 15 foi forçada a largar o esporte para se filiar a organizações de esquerda clandestinas que lutavam contra a ditadura. Em função de violências e de estupros sofridos nessa época, sintomas de um distúrbio mental se agravaram, e ela passou a apresentar comportamentos profundamente depressivos e a viver crises e surtos insuportáveis. Por conta de seu estado psicológico, no auge do sofrimento, depois de mergulhar em remédios e drogas de amplo espectro, chegou a tentar o suicídio cortando a própria garganta. Marilia foi salva, no primeiro momento, por uma pessoa que passava e que teve a presença de espírito e a coragem de socorrê-la e conseguir impedir sua morte. Mas, conversando com ela, Bruno descobriu que, de fato, a verdadeira razão de sua “ressurreição” pode ter sido a redescoberta de sua força e de sua integridade através do esporte. Marilia começou por encontrar uma academia de musculação na favela paulistana de Paraisópolis. Ali, tomou contato pela primeira vez com o prazer de um treino de força. Cerca de um ano depois, unindo sua gana por voltar a viver e seu preparo intelectual e conhecimento científico avantajados, Marilia
se consagrou campeã brasileira de halterofilismo em sua categoria. Mas ela alcançou bem mais do que isso, acumulou enorme conhecimento sobre as potencialidades do corpo e da mente e a habilidade de não dissociar mais essas duas dimensões de
nossas existências. Aprendeu vivenciando no próprio couro tudo sobre a capacidade de superação humana e outros saberes de peso. Hoje, muito mais feliz, longe dos remédios e das crises que sofria, prepara-se agora para lançar três livros e para disputar, em novembro, seu primeiro mundial de halterofilismo, o esporte que (a) abraçou.

Um detalhe importante sobre Marilia Coutinho: Ela é a irmã caçula de Laerte.