Atormentado pelas lembranças de uma infância feia, suja e malvada, Tobias Horvath vive uma espécie de loucura em espiral. Sem nunca sorrir, ele mastiga a solidão construindo fatos imaginários que se transformam em realidade pela sua alma de escritor escondida no corpo de um operário. A fábrica é de peças para relógios, mas Tobias nunca vê o tempo passar no tedioso cotidiano. O único barulho que açoita seus ouvidos é o som do vento, que constantemente sopra frio na cidadezinha suíça sem expressão, local que ele escolheu para fugir da aldeia natal também sem importância em algum lugar do Leste europeu, deixando para trás a vergonha da mãe prostituta e a humilhação de ter um pai que não o assume e ainda é seu professor. Esta mistura de infortúnios, no entanto, não faz de Queimando ao vento (Brucio nel vento, Itália/Suíça, 2001) – em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte – um filme sem alento. Pois é na determinação de exterminar seus fantasmas que o personagem do ator Ivan Franek termina por encantar o espectador.

Livremente baseado na novela Hier, da húngara Agota Kristof, o diretor italiano Silvio Soldini, o mesmo da comédia Pão e tulipas (2000), criou uma história em que a paixão anda de mãos dadas com a esquizofrenia. Já adulto na Suíça, Tobias muda de nome. Quer o rompimento total com o passado. Mas o espectro de Caroline (Barbara Lukêsova), amor de infância, continua perseguindo-o a ponto de vê-lo em todas as mulheres pelas quais se sente atraído. A vida ingrata de imigrante, aquele frio cortante, a chuva intermitente e o mesmo ônibus, com as mesmas pessoas, somam motivos suficientes para engordar sua tristeza. Ao mesmo tempo, o tormento diário lhe dá subsídios para encher a lápis folhas de um caderno que para ele resultará num livro. É com este entrelaçar delirante que o milanês Soldini rompe os clichês das histórias de amor e constrói um drama com toques de tragédia, porém fascinante na forma inteligente de mostrar como a esperança pode resultar na felicidade redentora.