A chapa democrata para as eleições presidenciais americanas em novembro próximo, finalmente, ganhou um candidato vivo. Até a terça-feira 6, o único representante do partido na corrida eleitoral era o senador John Kerry, 60 anos, que dava a nítida impressão de estar comatoso. Mesmo com o presidente George W. Bush amargando seus piores níveis de aprovação popular, meros 41%, seu oponente na luta pelas chaves da Casa Branca custava a convencer o eleitorado americano de que não estava morto. No mesmo dia em que anunciou a escolha do senador da Carolina do Norte, John Edwards – seu ex-rival à indicação partidária para completar sua chapa na luta contra os republicanos –, as pesquisas de opinião colocavam Kerry um ponto atrás de Bush. Aos 51 anos, o político novato Edwards traz um arsenal populista que soa bem aos ouvidos das legiões de desempregados do meio-oeste e sul do país, além de um conjunto variado de expressões faciais, em contraste com o semblante estilo “índio de porta de charutaria”, marca de John Kerry.

Os dois desafiantes de Bush são pólos opostos que fazem um casamento perfeito para o marketing político americano. “Nas primárias, os democratas escolheram Kerry para encabeçar a chapa, porque ele era o mais preparado e com melhor estampa presidencial. Agora, durante a campanha, havia uma grande torcida para que Edwards, o carismático populista, fosse agregado à equação”, diz James Carville, o guru da campanha vitoriosa de Bill Clinton e que tem ligações com Edwards. A parceria também coloca o atual presidente na defensiva em territórios que ele dava como favas contadas. “Os republicanos vão ter de gastar recursos no sul do país, quando imaginavam que Kerry tinha desistido de brigar pelos votos da região. Pode ser que os democratas não ganhem em nenhum Estado sulista – nem mesmo na Carolina do Norte de Edwards, mas obrigam Bush a gastar munição naquela área, desviando recursos que poderiam ser melhor empregados em Estados considerados indecisos”, diz o cientista-político independente Ronald Lindsey, da Universidade da Califórnia.

A decisão de alistar Edwards, foi mantida em segredo até o último momento, o que deu impulso extra ao fato político. Uma manobra que demonstra, ao menos, sabedoria estratégica, porque incluiu na dobradinha um democrata da região sul do país, o quintal de Bush. O segredo mantido por Kerry na escolha de seu vice, não poupou sequer seus auxiliares mais próximos. Somente na terça-feira, um pouco antes de um comício na cidade de Pittsburgh, foi se saber o nome do ungido, o que provocou ansiedade e frisson na imprensa americana. O suspense colocou combustível na máquina publicitária da campanha. Também provocou gafes que vão entrar para os anais do jornalismo. O diário conservador The New York Post manchetou em sua edição do dia 6: Exclusivo – “Democratas Pegam Gephardt para vice-presidência”. Ou seja, noticiaram que o escolhido seria o ex-deputado Richard Gephardt. Quando a edição estava há horas nas ruas, John Edwards foi apontado. O diário Daily News, rival do Post, mandou à redação do concorrente um prato com pato frio (cold duck é a gíria do ramo para grandes erros no noticiário) e o bilhete: “Congratulações por sua Exclusiva.” Como se nota, Edwards nem bem havia entrado na corrida eleitoral e já surpreendia a direita.

Até a escolha de seu vice, John Kerry se fingia de morto, segundo Stephanie Cutter, diretora de comunicações do comitê democrata. O candidato adotava a estratégia de não chegar perto do atoleiro em que se metera George W. Bush – no Iraque e no plano doméstico. O problema é que os resultados não foram o esperado. A aprovação ao governo Bush foi caindo, mas Kerry não demonstrava nenhum ganho perceptível. “Pode ser que o presidente esteja em baixa na opinião dos americanos. Mas não se vêem sinais de que o eleitorado queira uma troca de comando”, diz Ed Gillespie, chefe do Comitê Nacional Republicano. O mesmo Gillespie fez parte de um pelotão de contra-ataque iniciado minutos depois do anúncio da escolha de Edwards. Um dossiê com 23 páginas foi enviado pelos republicanos à imprensa, detalhando o que consideram pecados do senador da Carolina do Norte: dos seus votos pró-lei do aborto, passando pelas medidas de controle ao porte de armas, até o pagamento atrasado de seu imposto predial de sua residência em Washington. “Estamos felizes com a escolha democrata para a vice-Presidência. Nosso vice-presidente, Dick Cheney, come gente como ele no café da manhã. O debate entre os dois, em outubro, em Cleveland, vai ser uma barbada. No caso de um ataque terrorista em nosso território, quem os americanos irão preferir na sala de comando, caso o presidente esteja viajando? Cheney, com sua larga experiência e sangue-frio, ou Edwards, que nunca ocupou posto executivo algum?”, indaga Gillespie.

O cineasta Michael Moore – autor do documentário panfletário anti-Bush Farhrenheit 9/11 – não tem dúvidas sobre quem ele deseja ver no comando do país. “Prefiro um ser humano. Dick Cheney é um robô do mal, descontrolado. Em 11 de setembro, ele imediatamente foi levado a um local secreto e não colocou a cara para fora. O povo americano ficou sem saber quem estava no controle naquele dia”, diz Moore. O diretor, que ganhou a Palma de Ouro de Cannes neste ano, bateu todos os recordes de bilheterias para documentários com sua obra visceral contra os atuais ocupantes da Casa Branca. O sucesso tem sido tamanho que Moore colocou o filme à disposição do público na internet. “Acho que o êxito da película dá uma medida da impopularidade de Bush. O filme foi feito para tirá-lo da Presidência e está cumprindo o roteiro. A simpatia e o apelo popular de John Edwards vão ajudar muito nesta tarefa”, concluiu o cineasta.