Seria um encontro de conquista de parcerias, abraços calorosos, afinações e acertos, grandes jantares e muitos brindes. Houve parcerias celebradas com entusiasmo entre o Mercosul e Chile, Bolívia, Peru e Venezuela. Mas desde o jantar de abertura da reunião dos presidentes dos países do Mercosul, a XVI Cumbre de Jefes de Estado del Mercosur, em Puerto Iguazú, na Argentina, o prato mais quente foi servido pelo anfitrião, Néstor Kirchner, presidente dos argentinos que assina a forte revigoração econômica de seu país. Ele não titubeou para anunciar que apoiou as decisões de seu ministro da economia, Roberto Lavagna, de criar barreiras para a importação de máquinas de lavar roupa, fogões, geladeiras e televisores produzidos no Brasil “para evitar assimetrias”, como explicou o ministro. Lavagna também instituiu um imposto de 21% para a importação de televisores da Zona Franca de Manaus, taxa que valerá por um período de 200 dias. Segundo os jornais locais, a resolução entrou em vigência um dia depois de ter sido publicada no Diário Oficial do país e sua aplicação ainda depende de regulamentação.

Tudo aconteceu no requintado “Salón de las Orquideas” do Iguazú Grand Hotel. Foi um baque para o Brasil, mal-estar entre empresários, desapontamento político. O diário argentino La Nación até destacou em sua edição de quinta-feira 8 o “mal-estar” – agravado em seguida pela afirmação do presidente de que também ameaça proteger o setor têxtil. Foi um exercício – radical, é verdade – de proteção das indústrias nacionais. Segundo dados da União Industrial Argentina (UIA), as importações do Brasil aumentaram 75% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Portanto, a indústria argentina gostou. Mais ainda depois que Kirchner afirmou que seu país não pretende revogar a medida antes que empresários dos dois países alcancem um acordo.

O vice-chanceler Martín Redrado, responsável pelas negociações comerciais internacionais e uma das principais lideranças da Argentina, explicou que o governo está tentando fazer com que as empresas argentinas possam competir de igual para igual com as brasileiras e gerar condições “para que os investidores que vêm do exterior ou olham para a região vejam no Brasil e na Argentina as mesmas condições para poder crescer, para poder gerar emprego. É um direito legítimo de um país que, rapidamente, está pondo um pé fora da pior crise de sua história, recuperando a indústria, criando empregos. Em um ano, o desemprego no país caiu de 22% para 14%, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 11% no primeiro semestre deste ano, a arrecadação de impostos aumentou 45% em junho. Não é por acaso que o presidente Kirchner passeia numa popularidade de 70%.

A criação de barreiras é, do ponto de vista da recuperação do país, uma decisão acertada. Assim como se mostrou acertada a decisão da Argentina de enfrentar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e deixar o pagamento das dívidas para depois, dando prioridade aos problemas mais urgentes do país. Com a decisão, o esperto Kirchner tenta fazer com que a Argentina se torne tão atraente quanto o Brasil para os investidores estrangeiros. Se a lição fosse um chapéu, caberia na cabeça de muitos vizinhos – inclusive o Brasil.


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