Quem está na faixa dos 20 anos tem dificuldade em decifrar termos como correção monetária e indexação, não faz idéia do que possa ter sido um “fiscal do Sarney”, nem jamais recebeu um salário miserável grafado em milhões. Sorte dessa geração, que já fez suas compras na cantina da escola com as notas e moedas do real, que ganhou as ruas em 1º de julho de 1994 após três meses de gestação sob a alcunha de URV (a Unidade Real de Valor, utilizada como referência para a transição).

O real nasceu forte e colocou fim a um ciclo perverso de inflação galopante que drenou a economia brasileira nos anos 80 – a chamada década perdida.
Mais importante: dez anos depois, ele permanece vivo, após dois momentos
críticos (a desvalorização de 1999 e a crise político-especulativa de 2002).
A moeda que o antecedeu, o cruzeiro real, durou só 11 meses. Seu poder de
compra, porém, definhou.

Uma nota ou uma moeda da primeira fornada do real podiam ser trocadas por
US$ 1,06; ou serviam para comprar um quilo de frango; ou duas passagens
de ônibus em São Paulo; ou um maço de cigarros (dos bons, originais). Passada uma década, a mesma nota verdinha ou a reformada moedinha (agora com aro dourado) compram US$ 0,32 ou menos de meio quilo de frango. É insuficiente
para dar acesso ao transporte público (a tarifa hoje é de R$ 1,70) e, no máximo,
pode ser trocada por um maço de cigarro falsificado (na padaria, os “bons”
custam mais de R$ 2).

Na ponta do lápis do pesquisador Juarez Rizzieri, um decano dos cálculos inflacionários, o real perdeu 145,1% de seu valor ao longo desses dez anos.
O que signfica que hoje é preciso juntar R$ 2,45 para ter o mesmo valor de
compra do primeiro R$ 1 emitido pela Casa da Moeda. A maquininha remarcadora, ícone maior da era inflacionária, foi aposentada. Mas os preços não pararam de subir, em outro ritmo. “Comparando com o passado, quando chegamos a ter índices de 2000% ao ano, parece um sonho”, diz Rizzieri, coordenador-adjunto do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). “Mas ainda temos uma bela inflação”, avalia. Um bom número, segundo ele, seria uma alta de 50% ao longo desses dez anos. “É o patamar médio dos países emergentes sérios.”

Não que o Brasil não trate a inflação como um assunto sério. Desde o surgimento do real, manter os preços sob controle é a principal obsessão do governo, seja ele qual for. E olha que lá se vão quatro mandatos presidenciais – Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso (duas vezes) e Luiz Inácio Lula da Silva. Toda a política econômica é direcionada para o combate da inflação. Há duas semanas, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, prometeu apertar ainda mais o torniquete: em 2006, o País correrá atrás novamente da meta de inflação de 4,5% (a deste ano já estourou). “O Brasil pode buscar uma meta mais baixa, de 4%”, prometeu. Sinal de que os juros vão permanecer onde estão.

Na semana em que comemorou os dez anos do real, a Fipe calculou um índice considerado alto pelos analistas: os preços ao consumidor subiram 0,96% em São Paulo no mês de junho. Esperava-se 0,5%. Os vilões da vez foram o vestuário e os transportes. A telefonia fixa, responsável pela maior alta da era real (611%), está prestes a dar um novo bote no bolso do consumidor: a Justiça autorizou um aumento de 17%. O que revela o grande paradoxo do plano real: criado para livrar os preços de índices fixos e regulares de correção (a tal indexação), ele sofre ataques justamente dos preços que não conseguiram se livrar de algum tipo de controle governamental (telefone, gás, transportes). Tarefa para os próximos dez anos.